Investigação mostra que forças de segurança iranianas matam, torturam e estupram menores

Autoridades usaram a violência contra menores como parte de um padrão de resposta às manifestações, de acordo com ONG

Morte, tortura, abuso sexual e desaparecimento. A violência contra crianças é parte do método das forças de segurança do Irã de reprimir as manifestações antigovernamentais no país iniciadas no final de agosto de 2022, após a morte de Mahsa Amin. A denúncia foi feita pela ONG Human Rights Watch (HRW) nesta terça-feira (25).

A HRW investigou abusos contra 11 crianças entre setembro de 2022 e fevereiro de 2023, período em que Teerã reprimiu brutalmente a onda de protestos generalizados de manifestantes que exigiam mudanças no regime radical da República Islâmica. A apuração mostra que as autoridades iranianas prenderam, interrogaram e processaram menores, violando garantias legais. Tudo sem notificar as famílias, às vezes por semanas.

Segundo a ONG, os juízes impediram as famílias das crianças de contratar advogados de sua escolha para defendê-las, condenaram os menores por acusações vagas e os julgaram fora dos tribunais específicos, que em casos assim têm jurisdição exclusiva.

“Os líderes iranianos usaram suas brutais forças de segurança para agredir sexualmente e torturar menores e não os pouparam de julgamentos grosseiramente injustos”, disse Tara Sepehri Far, pesquisadora iraniana da HRW. “Nos últimos sete meses, as autoridades não hesitaram em estender o poder coercitivo do Estado para silenciar até as crianças.”

Crianças da minoria balúchi são visadas pelas autoridades iranianas (Foto: WikiCommons)

Um dos casos relatados foi o de um menino de 17 anos, agredido e abusado sexualmente pelas autoridades, o que causou uma hemorragia, disse um membro da família. Também foi denunciado o drama vivido por uma estudante do ensino médio, segundo quem as forças de segurança a aproximaram de um fogão a gás aceso durante a prisão, atearam fogo em suas roupas e a espancaram e chicotearam durante o interrogatório.

Além desses, houve também o caso de um menino que teve agulhas enfiadas sob suas unhas durante o interrogatório e o de um jovem de 16 anos que cometeu duas tentativas de suicídio após ser espancado, submetido a choques elétricos e agredido sexualmente.

Destino ainda mais trágico tiveram duas outras jovens da mesma idade. A família de Nika Shakarami, 16, encontrou o corpo dela dez dias depois do desaparecimento em meio aos protestos. Sarina Esmailzadeh, 16, morreu após ser espancada pelas forças de segurança. As autoridades iranianas disseram que as duas meninas morreram pulando ou caindo de prédios.

De acordo com a lei iraniana, menores detidos só podem ser interrogados por promotores especializados em questões juvenis. Neste caso, de acordo com relatos da mídia pró-governo, o Departamento de Inteligência Geral os questionou. A lei também permite que os menores sejam julgados apenas perante os tribunais juvenis provinciais, algo que não foi respeitado..

O relatório destaca que p líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, perdoou cerca de 300 estudantes do ensino médio detidos em todo o país. No entanto, muitos tiveram a rematrícula na escola negada, mesmo “perdoados”, uma punição aparentemente imposta pela Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC, na sigla em inglês)

Esses menores “perdoados” também tiveram cortada a assistência social destinada às famílias, o que obrigou muitas das crianças a ingressarem no mercado de trabalho. Há também denúncias de funcionários de educandários que teriam agredido estudantes que participaram dos protestos.

No início de abril de 2023, grupos de direitos humanos iranianos registraram a morte de 537 pessoas pelas forças de segurança no contexto dos protestos iniciados há sete meses após a morte de Mahsa, incluindo pelo menos 68 crianças.

Desamparadas

Em outubro do ano passado, logo após o início dos protestos, o Comitê dos Direitos da Criança da ONU (Organização da Nações Unidas) condenou as graves violações dos direitos das crianças em todo o país e exortou as autoridades a acabar com toda a violência contra as crianças. 

“O Comitê reafirma a obrigação da República Islâmica do Irã de respeitar e proteger os direitos das crianças à liberdade de expressão e ao protesto pacífico. Muitas crianças, incluindo muitas meninas, estão protestando para que suas opiniões sejam conhecidas sobre questões que são importantes para elas. Seu direito de ser ouvido não deve ser sufocado por nenhum nível de força”, disse a ONU em nota, instando o Irã a cessar o uso da força contra protestos pacíficos e a proteger as crianças.

Segundo a ONG Anistia Internacional (AI), crianças de minorias perseguidas são as mais visadas. “Mais de 60% das crianças mortas eram das minorias oprimidas balúchis e curdas do Irã. Essas comunidades há muito sofrem discriminação sistêmica e perseguição por parte das autoridades”. 

Por que isso importa?

Desde setembro, protestos populares tomaram as ruas do Irã após a morte de Mahsa Amini, uma jovem de 22 anos que visitava Teerã, capital do país, quando foi abordada pela “polícia da moralidade” por não usar “corretamente” o hijab, o véu obrigatório para as mulheres. Sob custódia, ela desmaiou, entrou em coma e morreu três dias depois.

Os protestos começaram no Curdistão, província onde vivia Mahsa, e depois se espalharam por todo o país, com gritos de “morte ao ditador” e pedidos pelo fim da república islâmica. As forças de segurança iranianas passaram a reprimir as manifestações de forma violenta, com relatos de dezenas de mortes.

No início de outubro, a ONG Human Rights Watch (HRW) publicou um relatório que classifica o regime iraniano como “corrupto e autocrático”, denunciando uma série de abusos cometidos pelas forças de segurança na repressão aos protestos populares.

Além dos mortos e feridos, a HRW cita os casos de “centenas de ativistas, jornalistas e defensores de direitos humanos” que, mesmo de fora dos protestos, acabaram presos pelas autoridades. Condena ainda o corte dos serviços de internet, com plataformas de mídia social bloqueadas em todo o país desde o dia 21 de setembro, por ordem do Conselho de Segurança Nacional do Irã.

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