ONG cita repressão ‘sufocante’ do Taleban às afegãs e cobra mobilização internacional

Tortura, supressão de direitos e casamento infantil são parte da rotina das afegãs desde a tomada do poder pelos radicais

“Menos de um ano após a tomada do Afeganistão pelo Taleban, suas políticas draconianas têm privado milhões de mulheres e meninas de seu direito de levar uma vida segura, livre e satisfatória”. A afirmação, feita pela secretária-geral da Anistia Internacional Agnès Callamard, consta de um relatório publicado na quarta-feira (27) pela ONG, que chama de “sufocante” a repressão imposta pelos radicais a mulheres e meninas no país desde agosto do ano passado.

“Essa repressão sufocante contra a população feminina do Afeganistão está aumentando dia a dia. A comunidade internacional deve exigir urgentemente que o Taleban respeite e proteja os direitos das mulheres e meninas”, disse ela.

Segundo o documento, o Taleban “violou os direitos de mulheres e meninas à educação, trabalho e livre circulação; dizimou o sistema de proteção e apoio a quem foge da violência doméstica; mulheres e meninas detidas por pequenas violações de regras discriminatórias; e contribuiu para um aumento nas taxas de casamento infantil, precoce e forçado no Afeganistão”.

Para mudar esse cenário, a Anistia cobra uma “estratégia robusta e coordenada que pressione o Taleban” a implementar “mudanças políticas e medidas para defender os direitos de mulheres e meninas”.

Nesse sentido, pede a imposição de “consequências” ao Taleban, como “sanções direcionadas ou proibições de viagem aplicadas por meio de uma Resolução do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas)”.

Mulheres ativistas no Afeganistão: direitos suprimidos e abusos constantes (Foto: Twitter/Reprodução)
Detenções arbitrárias

As próprias mulheres afegãs têm exigido mudanças, inclusive com uma onda de protestos populares reprimidos violentamente pelos radicais. Há relatos de assédio, prisão arbitrária, desaparecimento forçado e tortura física e psicológica contra as manifestantes.

Uma delas, entrevistada pela ONG, conta que foi detida, torturada e ameaçada pelos talibãs. E que um homem culpou as mulheres pela falta de dinheiro do governo, referindo-se ao fato de que os EUA, o Banco Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional) cortaram o acesso de Cabul a bilhões de dólares em empréstimos, fundos e ativos, sendo a violência de gênero uma das razões para a sanção.

“A América não está nos dando o dinheiro por causa de vocês, vadias”, teria dito um talibã, segundo relato da mulher detida, que prosseguiu: “Então ele me chutou. Foi tão forte que machuquei as costas, e ele chutou meu queixo também. Ainda sinto a dor na boca. Dói sempre que quero falar”.

A fim de impedir que as mulheres exibam os ferimentos nas redes sociais, duas manifestantes contam que os talibãs passaram a agredi-las nos seios e entre as pernas.

Mas nem é preciso ir às ruas protestar para sofrer com as detenções arbitrárias. Há inúmeros casos de mulheres e meninas presas por violações a políticas discriminatórias, como aparecer em público sem a companhia de um homem (mahram) ou com um que não se enquadre nas regras estabelecidas pelos radicais.

Uma mulher detida nessas circunstâncias diz que levou choques elétricos por todo o corpo. “Eles estavam me chamando de prostituta [e] vadia. O que estava segurando a arma disse: ‘Eu vou te matar, e ninguém será capaz de encontrar seu corpo’”.

Casamento infantil

Outro problema crescente no Afeganistão desde agosto de 2021 é o do casamento infantil. As razões para isso vão desde a crise econômica, que leva muitas famílias a permitir que meninas se casem a fim de terem uma melhor perspectiva de vida, até episódios de casamentos forçados com membros do Taleban.

“No Afeganistão, é uma tempestade perfeita para o casamento infantil. Você tem um governo patriarcal, guerra, pobreza, seca, meninas fora da escola…”, disse Stephanie Sinclair, diretora da Too Young to Wed, uma organização que combate o casamento infantil.

Escolas fechadas

No que tange à educação, a grande maioria das meninas do ensino médio continua impedida de estudar. O retorno programado à escola, que ocorreu no dia 23 de março de 2022, durou pouco. No mesmo dia, o Taleban mandou todas as meninas para casa, alegando um “problema técnico” relacionado aos uniformes. Quatro meses depois, o acesso das meninas à educação continua impedido.

Já as estudantes universitárias sofrem restrições ao comportamento, ao vestuário e a oportunidades diversas. O Taleban “criou um ambiente inseguro, no qual as estudantes do sexo feminino são sistematicamente desfavorecidas. Muitas alunas deixaram de frequentar ou decidiram não se matricular na universidade”, diz o documento.

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