Pais de fotógrafo da Reuters morto pelo Taleban buscam justiça para o filho

Família de Danish Siddiqui considera líderes do grupo islâmico 'responsáveis' por seu assassinato e entrou com ação no Tribunal de Haia

Os pais do repórter fotográfico indiano Danish Siddiqui, que atuava a serviço da agência Reuters e foi morto enquanto fazia a cobertura jornalística de um confronto entre forças de segurança do Afeganistão e o Taleban, em julho de 2021, entraram com uma ação legal no Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o grupo islâmico. O anúncio foi feito pelo advogado da família na terça-feira (22), segundo informou a agência.

No momento em que foi morto, Siddiqui, vencedor de um Prêmio Pulitzer, trabalhava ao lado de um militar afegão num combate pelo controle do principal mercado da cidade de Spin Boldak, perto da fronteira Afeganistão-Paquistão. Segundo o exército afegão, os dois foram pegos no meio de um fogo cruzado dos talibãs.

De acordo com o defensor da família Siddiqui, Avi Singh, os pais do fotógrafo que perdeu a vida aos 38 anos buscam justiça contra seis líderes e outros comandantes não identificados da organização jihadista, no TPI de Haia, na Holanda. A alegação é de que os insurgentes mataram seu filho pelo fato de ele ser da imprensa e também um cidadão indiano.

Fotojornalista foi brutalmente morto pelas forças talibãs em julho de 2021 (Foto: Danish Siddiqui/Arquivo pessoal)

Siddiqui estava baseado em Nova Délhi e foi enviado ao Afeganistão com a missão de registrar a campanha do Taleban para retomar o poder central no país, avanço que ocorreu em meio à retirada das tropas dos Estados Unidos e seus aliados após 20 anos de presença militar lá.

Segundo seus familiares, por meio de comunicado do advogado, Siddiqui foi “ilegalmente detido, torturado e morto pelo Taleban, e seu corpo foi mutilado”. “Esses atos e esse assassinato constituem não apenas um assassinato, mas um crime contra a humanidade e um crime de guerra”, acrescentou Singh.

Autoridades de segurança afegãs e do governo indiano atestaram a declaração da família e disseram à Reuters que, com base em fotos, informações e um exame do corpo de Siddiqui, o corpo foi, de fato, mutilado enquanto estava sob custódia do Taleban após sua morte.

No dia em que foi morto, em 16 de junho, o repórter fotográfico chegou a informar à agência que tinha sido ferido no braço, mas que os talibãs haviam batido em retirada. Posteriormente, porém, os jihadistas retomaram o embate no momento em que Siddiqui conversava com pessoas em um mercado.

Um comandante do antigo Corpo de Operações Especiais do Afeganistão disse que o fotojornalista acabou sendo deixado para trás por engano quando os soldados se retiraram de Spin Boldak, o que lhe custou a vida.

O Taleban nega a captura e execução de Siddiqui.

A Reuters informou à época da morte que “foi incapaz de determinar de forma independente se o Taleban deliberadamente matou Siddiqui ou profanou seu corpo”.

Profissional de prestígio

Siddiqui fez parte da equipe de fotografia da Reuters que ganhou o Prêmio Pulitzer de Fotografia de 2018 por documentar a crise dos refugiados rohingya em Mianmar. Ele trabalhava na Reuters desde 2010 e cobriu, ainda, eventos como as guerras no Afeganistão e no Iraque, os protestos de Hong Kong e os terremotos no Nepal.

Entre 2018 e 2021, 33 jornalistas foram mortos no Afeganistão, de acordo com relatório publicado pela ONU (a Organização das Nações Unidas) neste ano.

O dia mais mortal para jornalistas no país foi 30 de abril de 2018, quando nove profissionais morreram em um ataque suicida em Cabul, e um jornalista da BBC foi baleado na cidade de Khost, no leste do país.

Por que isso importa?

Diversas pessoas foram presas pelo Taleban em 2022 por serem jornalistas ou colaborarem com profissionais da área. No dia 6 de janeiro, três repórteres foram detidos enquanto trabalhavam na cobertura de manifestações contra os jihadistas na província de Panjshir. Eles estavam a serviço de um canal no YouTube chamado Kabul Lovers, com aproximadamente 244 mil inscritos.

Em outro caso registrado neste ano, o Taleban prendeu Faizullah Jalal, professor de Direito e ciência política da Universidade de Cabul, em 8 de janeiro. Ele foi detido por quatro dias sob acusações de fazer declarações “sem sentido” e “incitar” pessoas contra os talibãs. Depois de solto, Jalal disse ter sido preso por ter discutido com um porta-voz talibã em um debate na televisão. Aslam Ejab e Waris Hasrat, da Ariana TV, são as vítimas mais recentes da repressão talibã à mídia.

Números mostram que o jornalismo afegão tem sido sufocado pelo Taleban. Em dezembro de 2021, uma pesquisa conduzida em parceria pela ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e pela Associação de Jornalistas Independentes do Afeganistão (AIJA) apontou que 231 veículos de imprensa foram fechados e mais de 6,4 mil jornalistas perderam o emprego no Afeganistão desde o dia 15 de agosto, quando o Taleban assumiu o poder no país.

Os dados apontam que mais de quatro em cada dez veículos de comunicação desapareceram nesse período, e 60% dos jornalistas e funcionários da mídia estão impossibilitados de trabalhar. As mulheres sofreram muito mais: 84% delas perderam o emprego, contra 52% no caso dos homens. Entre as 34 províncias do país, em 15 delas não há sequer uma mulher jornalista trabalhando atualmente.

Dos 543 meios de comunicação registrados no Afeganistão antes da ascensão talibã, apenas 312 ainda operavam no final de novembro. Isso significa que 43% dos meios de comunicação afegãos desapareceram em um espaço de três meses. Das 10.790 pessoas que trabalhavam na mídia afegã (8.290 homens e 2.490 mulheres) no início de agosto, apenas 4.360 (3.950 homens e 410 mulheres) ainda estavam trabalhando quando a pesquisa foi realizada.

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