Piores temores se concretizam em Gaza após décima criança supostamente ‘morrer de fome’

Com a entrega de ajuda quase parada no enclave, acumulam-se os casos de menores mortos por não terem o que comer

Conteúdo adaptado de material publicado originalmente em inglês pela ONU News

Os repetidos avisos de humanitários sobre a desesperada insegurança alimentar e a fome iminente em Gaza ganharam destaque nesta sexta-feira (1º), em meio a relatos das autoridades do enclave de que uma décima criança havia morrido de desnutrição e desidratação.

“Os registos oficiais de ontem ou desta manhã diziam que havia uma décima criança oficialmente registada num hospital como tendo morrido de fome”, disse o porta-voz da agência de saúde da ONU (Organização das Nações Unidas), Christian Lindmeier. “Um limite muito triste. Infelizmente, pode-se esperar que os números não oficiais sejam mais altos.”

O desenvolvimento seguiu-se a relatos da mídia durante a noite de que quatro crianças morreram no hospital Kamal Adwan, no norte de Gaza, além de outros seis jovens que morreram na quarta-feira (28) na mesma instalação e no hospital Al Shifa, na cidade de Gaza.

‘Catástrofe’ da fome

O aprofundamento da crise de insegurança alimentar no enclave provocou um alarme internacional renovado na quinta (29), quando mais de cem palestinos foram aparentemente mortos e centenas ficaram feridos ao tentarem obter ajuda de um comboio de socorro parado em uma rotatória a sudoeste da cidade.

Campo de refugiados da UNRWA em Khan Yunis, no sul da Faixa de Gaza (Foto: Abed Zaqout/Unicef)

A rápida condenação do incidente pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, que também apelou por uma investigação independente, foi repetida por outros altos funcionários, incluindo o chefe de ajuda humanitária, Martin Griffiths, em meio a relatos de contínuos e intensos bombardeios israelenses por via aérea, terrestre e marítima em grande parte da Faixa de Gaza. 

“Vimos fotos do Al Shifa (hospital), onde as vítimas dos assassinatos estavam deitadas uma ao lado da outra, esperando por qualquer tratamento”, disse Lindmeier, da  Organização Mundial da Saúde (OMS), a jornalistas em Genebra.

Corte de água e energia

“O sistema em Gaza, já dissemos muitas vezes que está de joelhos, está mais que de joelhos”, continuou o responsável da OMS, ao explicar que todas as “linhas de vida de Gaza foram mais ou menos cortadas” – nomeadamente água e eletricidade – imediatamente após os ataques terroristas liderados pelo Hamas contra as comunidades israelitas, em 7 de outubro. 

Entretanto, o porta-voz do OCHA, Jens Laerke, insistiu que antes do conflito “as pessoas tinham comida, as pessoas eram capazes de produzir os seus próprios alimentos”.

Hoje, em contraste, encontrar alimentos dentro de Gaza, seja proveniente da agricultura ou da pesca, “é quase impossível”, continuou Laerke. “Colocar comida na mesa… parou completamente. A própria base do sustento diário das pessoas está sendo destruída.”

As últimas avaliações humanitárias de insegurança alimentar baseadas no índice de classificação IPC, que é usado como referência pelas agências de ajuda humanitária, indicam que toda a população de Gaza, de 2,2 milhões de pessoas, enfrenta níveis de “crise” de insegurança alimentar. Desse número, cerca de 1,17 milhão enfrentam níveis “emergenciais” de insegurança alimentar, e a situação de outros 500 mil é “catastrófica”.

“Temos uma situação terrível se aproximando de nós a uma velocidade muito elevada”, disse Laerke, com seus comentários ecoando um alerta recente dos humanitários da ONU ao Conselho de Segurança de que a fome no enclave é “quase inevitável”, a menos que a ajuda seja massivamente aumentada.  

De acordo com a UNRWA, a agência da ONU para os refugiados palestinos, a quantidade de ajuda humanitária que chegou a Gaza em fevereiro foi apenas metade do total de janeiro. “E sabemos que Janeiro não foi suficiente”, disse o porta-voz da OMS.

Sinais vitais

Reiterando os repetidos apelos da ONU por um cessar-fogo, Lindmeier afirmou que as trágicas mortes do comboio de ajuda na quinta-feira destacaram o quão desesperados os habitantes de Gaza estavam por comida, água potável e outros bens essenciais, após quase cinco meses de guerra. 

“Este é o verdadeiro drama, esta é a verdadeira catástrofe aqui, que os alimentos e os suprimentos são tão escassos que vemos estas situações surgindo. E o fornecimento de alimentos foi cortado deliberadamente”, sustentou, observando que os habitantes de Gaza já não eram capazes de se sustentarem.

“Os campos que existiam, as estufas o pouco de agricultura, tudo isso precisa de abastecimento de água, ou abastecimento de água dependente de eletricidade e estações elevatórias”, explicou. “Este é o verdadeiro drama. Isto apenas sublinha cada vez mais que precisamos de um cessar-fogo urgente agora. Se não agora, então quando?”

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