Sem medo de drones, líder extremista aparece em público e usa roupas ocidentais

Abu Mohammed al-Golani, do Hayat Tahrir Al-Sham, tenta passar uma imagem de moderado e se descola de outros líderes jihadistas

Abu Mohammed al-Golani, líder do grupo extremista Hayat Tahrir al-Sham (HTS), uma facção da Al-Qaeda, apareceu vestindo roupas ocidentais em evento público no dia 7 de janeiro, na cidade de Sarmada, na Síria. Diferente de outros extremistas procurados internacionalmente, ele não mostrou preocupação em expor sua localização, sujeitando-se assim a um eventual ataque de drone, segundo o site Al-Monitor.

Golani participou da inauguração de uma rodovia ao lado de Ali Kaeda, primeiro-ministro do Governo de Salvação Sírio, afiliado ao HTS e opositor ao governo central sírio. Além de se sujeitar a um ataque da coalizão aliada a Bashar Al-Assad, encabeçada por Rússia e Irã, ele trocou a tradicional túnica árabe por camisa e um jaquetão.

A cerimônia estava repleta de membros do HTS, que forneceu segurança para o evento. Combatentes também foram posicionados estrategicamente na estrada que leva a Sarmada, a cerca de 30 quilômetros de Idlib, e impediram vários veículos de imprensa de chegarem ao evento.

A estrada em questão, que liga Aleppo a Bab al-Hawa, é o primeiro grande empreendimento realizado em uma área fora do controle do governo central sírio e custou cerca de US$ 2 milhões. Tem aproximadamente 3 quilômetros de extensão e 70 postes de iluminação. Em seu discurso, Golani disse que a obra é uma “conquista revolucionária” e “um esforço abrangente de todos os indivíduos libertados na área, incluindo comerciantes e trabalhadores”.

Abu Mohammed al-Golani (esq.), líder do grupo extremista Hayat Tahrir Al-Sham (Foto: reprodução/Twitter)

A imagem de Golani, que viralizou nas redes sociais, gerou um intenso debate, com muitos apostando que a escolha dos trajes é uma tentativa de passar uma imagem mais moderada. Golani já havia feito uma aparição pública em maio de 2020, ao visitar um acampamento no norte da Síria, onde ouviu pedidos de moradores. Depois, em agosto de 2020, visitou um restaurante na cidade de Idlib e foi fotografado conversando com civis e ajudando a preparar a comida.

O HTS, anteriormente conhecido como Jabhat a-Nusra, tem trabalhado para se aproximar do Ocidente, aproveitando o fato de que é inimigo do governo sírio, este apoiado por Rússia e Irã. Embora diga que desfez o vínculo com a Al-Qaeda, o HTS é considerado ele mesmo um grupo terrorista pelo Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas e pelos Estados Unidos, que oferecem uma recompensa de US$ 10 milhões pela captura dele.

Por que isso importa?

Ações antiterrorismo globais têm enfraquecido os dois principais grupos terroristas do mundo, o Estado Islâmico (EI) e a Al-Qaeda. Já a pandemia de Covid-19 fez cair o número de ataques em regiões sem conflito, devido a fatores como a redução do número de pessoas em áreas públicas. Na tentativa de manter a relevância, as organizações jihadistas investem em zonas de conflito, como o continente africano, e isso pode causar um impacto a curto prazo na segurança global, conforme as regras de restrição à circulação são afrouxadas.

O EI, em particular, se enfraqueceu militar e financeiramente, vitimado pela má gestão de fundos por parte de seus líderes e sufocado pelas sanções econômicas internacionais. Porém, a organização ganhou sobrevida graças ao poder de recrutar seguidores online. Atualmente, as ações do EI são empreendidas quase sempre por atores solitários ou pequenos grupos que foram radicalizados e incitados através da internet.

Em 2017, o exército iraquiano anunciou ter derrotado a organização no país, com a retomada de todos os territórios que o EI dominava desde 2014. O grupo, que chegou a controlar um terço do Iraque, hoje mantém apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas no país.

Assim, o principal reduto tanto do EI quanto da Al-Qaeda tornou-se o continente africano, onde conseguem se manter relevante graças à ação de grupos afiliados regionais, como Al-Shabaab, ISWAP, EIGS e Boko Haram. A expansão em muitas regiões da África é alarmante e pode marcar a retomada de força global dessas duas organizações, algo que em determinado momento tende refletir em regiões sem conflito, como Europa e Estados Unidos, alvos preferenciais de ataques terroristas.

No Brasil

Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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