O governo talibã que atualmente comanda o Afeganistão libertou na terça-feira (28) o jornalista Aref Nouri, diretor da rede de televisão afegã Nourin, que havia sido preso dois dias antes. A libertação foi anunciada pelo watchdog Centro dos Jornalistas do Afeganistão (AFJC, na sigla em inglês) e reproduzida pela rede Radio Free Europe.
Integrantes das forças de segurança talibãs invadiram a casa do profissional, em Cabul, no domingo (26), e o detiveram na frente da família, sem dar maiores explicações sobre as razões da prisão. Em comunicado, o AFJC declarou que “condena a detenção arbitrária” de Nouri e a considera uma “violação da liberdade de imprensa”.
Roman Nouri, filho de Aref, disse logo após a detenção que não foi exibido um mandado de prisão ou qualquer outra ordem judicial pelas autoridades talibãs. De acordo com a Associação dos Jornalistas Independentes do Afeganistão (AIJA, na sigla em inglês), outro órgão de imprensa do país, a prisão de Nouri não estaria relacionada com as atividades dele como jornalista.
Na semana passada, uma pesquisa conduzida em parceria pela ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e pela AIJA apontou que 231 veículos de imprensa foram fechados e mais de 6,4 mil jornalistas perderam o emprego no país desde 15 de agosto, quando o Taleban assumiu o poder.
Os dados apontam que mais de quatro em cada dez veículos de comunicação desapareceram nesse período, e 60% dos jornalistas e funcionários da mídia estão impossibilitados de trabalhar. As mulheres sofreram muito mais: 84% delas perderam o emprego, contra 52% no caso dos homens. Entre as 34 províncias do país, em 15 delas não há sequer uma mulher jornalista trabalhando atualmente.
Por que isso importa?
Foram registrados desde agosto ao menos 40 episódios de violência contra jornalistas no Afeganistão. Questionado sobre esses incidentes, o porta-voz do governo Zabihullah Mujahid reconhece a responsabilidade das forças de segurança, cujo “comportamento nem sempre foi correto e profissional”. Ao mesmo tempo, diz que esforços serão feitos “para tentar treiná-los e controlar esse comportamento”.
Num dos primeiros episódios de violência pós-ascensão talibã, o jornalista Ziar Khan Yaad, da emissora afegã TOLO TV, foi atacado por membros do Taleban em Cabul, em agosto. Yaad e seu cinegrafista foram surpreendidos pela ação violenta dos extremistas enquanto trabalhavam em uma reportagem sobre a situação de pessoas desempregadas e trabalhadores.
Em setembro, o fotojornalista afegão Morteza Samadi passou mais de três semanas detido pelo Taleban. A informação de sua soltura foi confirmada por amigos do fotojornalista à reportagem de A Referência, em meio a temores de que ele pudesse ser executado pelos extremistas.
Em outubro, membros do Taleban agrediram um grupo de jornalistas que faziam a cobertura de um protesto de mulheres em Cabul. Um fotojornalista estrangeiro foi atingido com uma coronhada de um rifle por um talibã, que ofendeu o fotógrafo enquanto desferia socos e chutas nas costas dele. Pelo menos mais dois jornalistas foram atingidos no processo de dispersão, enquanto os extremistas os perseguiam portando rifles e outras armas pesadas.
Além do assédio do Taleban, os proprietários da mídia precisam lidar com novas restrições econômicas. Muitos meios de comunicação que recebiam financiamento nacional e internacional não têm mais acesso ao dinheiro desde que o Taleban assumiu o poder. “Esses subsídios, vindos principalmente de países que tinham presença militar no Afeganistão e que tinham interesse em fornecê-los, acabaram agora”, disse o porta-voz do governo.
A mídia também foi duramente atingida por uma perda de receita de publicidade. Na província de Nangarhar, que perdeu 35% de seus veículos de comunicação, o dono de uma rádio que fechou em outubro disse que “a situação econômica é tão ruim que a maioria dos empresários, mesmo que não tenha fechado as lojas, não pode mais gastar dinheiro com publicidade”.
Mujahid reconhece o fim de diversos meios de comunicação, mas afirma que muitos “executivos e gerentes da mídia fugiram do país”. Segundo ele, isso contribuiu para o “colapso” dos veículos e para a perda de empregos.
“Além dos números, o fechamento de quase metade da mídia do país e a perda de mais de seis mil empregos são um desastre para a liberdade de imprensa”, disse Hojatollah Mujadadi, diretor-executivo da IAJA. “Se as instituições internacionais não ajudarem os jornalistas e a mídia no Afeganistão e se o governo não tomar medidas urgentes, a outra metade da mídia e dos jornalistas, que ainda estão trabalhando em condições realmente difíceis, terá o mesmo destino”.