Unicef endossa números de mortes em Gaza questionados por Washington

Agência da ONU cita evidências que confirmam os dados habitualmente fornecidos pelo Ministério da Saúde ligado ao Hamas

Na segunda-feira (6), um dia antes de o conflito em Gaza completar um mês, o Ministério da Saúde do enclave controlado pelo Hamas divulgou que a marca de mortes havia superado dez mil, sendo mais de quatro mil crianças. Tais números, recentemente contestados pelo governo norte-americano, foram agora endossados pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), segundo informou a rede CNN.

“No Unicef somos muito, muito precisos com os nossos números. Temos reputação, não apenas porque estamos na linha de frente e entregamos resultados, mas temos evidências”, disse James Elder, porta-voz da agência da ONU. “Os nossos números estavam dentro de alguns por cento disso, quase idênticos”, completou, referindo-se aos dados das autoridades palestinas.

De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, ao menos 10.022 pessoas foram mortas nos incessantes bombardeios realizados pelas Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês). Entre esses mortos estão 4.104 crianças.

Palestinos, incluindo crianças, nos escombros de suas casas na Cidade de Gaza (Foto: El Baba/Unicef)

“Conheço os meninos e meninas e as mães e os pais por trás (dos números). É por isso, e penso em nome do Unicef, que estamos tão indignados por eles continuarem a aumentar e por não conseguirmos um cessar-fogo humanitário”, acrescentou Elder.

Foi também o drama das crianças de Gaza que ganhou maior destaque em comunicado da agência das Nações Unidas publicado na segunda. “Em todas as guerras, são as crianças que sofrem primeiro e que mais sofrem”, diz o texto, ainda sem citar os dados divulgados naquele mesmo dia. “As crianças morrem em ritmo alarmante, vendo-lhes serem negados seus direitos básicos.”

Números confiáveis?

As palavras do Unicef servem para dissipar as dúvidas levantadas no mês passado pelo presidente norte-americano Joe Biden e pelo porta-voz do Conselho de Segurança Nacional John Kirby, segundo quem o Ministério da Saúde é uma “fachada para o Hamas.”

“Não tenho noção de que os palestinos estejam dizendo a verdade sobre quantas pessoas são mortas”, disse Biden em outubro, de acordo com o jornal The Guardian. “Tenho certeza de que inocentes foram mortos, e esse é o preço de se travar uma guerra. Mas não tenho confiança nos números que os palestinos estão usando.”

Após essas manifestações, entidades humanitárias e veículos informativos partiram em defesa das estatísticas, dizendo que o órgão governamental palestino tem um histórico confiável. Kirby, por sua vez, admitiu que Washington “sabe absolutamente que o número de mortos continua aumentando em Gaza” e que “não contestaria” o fato de que civis estão sendo mortos.

Em sua defesa, o Ministério da Saúde de Gaza publicou em 27 de outubro um relatório de 212 páginas no qual listou nome, idade e sexo das 6.747 pessoas mortas e devidamente identificadas até ali, conforme reportou a rede Voice of America (VOA). E advertiu que os dados eram, na verdade, subnotificados, com outras 300 vítimas fatais confirmadas, mas ainda por identificar.

Incoerência norte-americana

Os dados são de fato divulgados por um órgão sujeito ao Hamas, grupo radical que iniciou o conflito ao atacar Israel em 7 de outubro, matando 1,4 mil pessoas, e que governa Gaza. Entretanto, a Autoridade Palestina na Cisjordânia supervisiona o trabalho do Ministério e coordena a atuação das equipes médicas a serviço do órgão em Gaza.

A agência Associated Press (AP) também defendeu a precisão dos números, alegando que em conflitos anteriores os dados provenientes de Gaza foram verificadas inclusive pela ONU (Organização das Nações Unidas), que não observou imprecisões.

“Os números podem não ser perfeitamente precisos minuto a minuto”, disse Michael Ryan, do Programa de Emergências de Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma agência das Nações Unidas. “Mas refletem em grande parte o nível de mortes e feridos.”

A ONG Human Rights Watch (HRW) também endossou as estatísticas provenientes de Gaza, segundo a VOA. Diz que investigou confrontos anteriores no enclave e que em suas conclusões não identificou discrepâncias em relação aos números das autoridades palestinas.

O site HuffPost ainda destacou uma incoerência nas críticas norte-americanas. Embora as autoridades em Washington contestem a veracidade das informações transmitidas por Gaza, elas são habitualmente usadas pelo governo dos EUA em documentos oficiais que circulam no Departamento de Estado.

Cerca de 20 desses documentos foram analisados, sendo a que maioria “foi preparada pela Embaixada dos EUA em Jerusalém e depois distribuída a um amplo grupo de funcionários do Departamento”, segundo o HuffPost Ao menos 12 deles citavam o Ministério da Saúde de Gaza como fonte das estatísticas de vítimas adotadas oficialmente por Washington.

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