França investiga possível ação terrorista em explosão que feriu piloto do Rali Dakar

Philippe Boutro sofreu ferimentos graves nas pernas, passou por uma cirurgia ainda na Arábia Saudita e depois foi levado de volta à França

Autoridades da França investigam a possibilidade de um ataque terrorista ter causado a explosão que deixou gravemente ferido o piloto francês Philippe Boutron, que participava do tradicional Rali Dakar. O incidente ocorreu em Jedah, na Arábia Saudita, quando um veículo de apoio da equipe Sodicars Racing deixava o hotel Donatello, na quinta-feira (30) da semana passada. As informações são da rede britânica BBC.

Inicialmente, a polícia saudita afirmou não suspeitar de ação criminosa, embora não tenha sido descartada a hipótese de “ação maliciosa”, segundo palavras de uma autoridade local. Já a Justiça francesa anunciou uma investigação preliminar para avaliar a possibilidade de “múltiplas tentativas de assassinato em conexão com um grupo terrorista”.

Boutron sofreu ferimentos graves nas pernas, passou por uma cirurgia ainda na Arábia Saudita e depois foi levado de volta à França. “Ele está de fato gravemente ferido, em ambas as pernas. Saberemos mais em dez dias, mas devemos permanecer cautelosos nesta fase”, disse Benoit Boutron, filho do piloto.

De acordo com comunicado emitido pela equipe Sodicars na terça-feira (4), o piloto de 61 anos teve as duas pernas “esmagadas” e foi incialmente colocado em coma induzido “para aliviar o sofrimento”. Ele segue internado e, de acordo com o filho, já deixou o coma.

Carro do piloto francês Philippe Boutron no Rali Dakar (Foto: reprodução/facebook.com/sodicars.racing)

Um integrante da equipe disse ao jornal esportivo francês L’Equipe que a explosão atingiu o piso do veículo, que se incendiou. Boutron ocupava o assento do motorista e foi o único a se ferir, enquanto as outras cinco pessoas que também estavam no carro, todas francesas, escaparam ilesas.

Foi justamente a questão da segurança que levou os organizadores do Dakar a transferir o rali para a Arábia Saudita, onde é realizado desde 2020. Devido ao risco de atentados terroristas, a edição de 2008 chegou a ser cancelada, e a América do Sul sediou a competição entre 2009 e 2019. Quando nasceu, em 1978, a maior prova de rali do mundo era chamada Rali Paris-Dakar, pois ligava as capitais da França e do Senegal.

Por que isso importa?

Ações antiterrorismo globais têm enfraquecido os dois principais grupos terroristas do mundo, o Estado Islâmico (EI) e a Al-Qaeda. Já a pandemia de Covid-19 fez cair o número de ataques em regiões sem conflito, devido a fatores como a redução do número de pessoas em áreas públicas. Na tentativa de manter a relevância, as organizações jihadistas investem em zonas de conflito, como o continente africano, e isso pode causar um impacto a curto prazo na segurança global, conforme as regras de restrição à circulação são afrouxadas.

O EI, em particular, se enfraqueceu militar e financeiramente, vitimado pela má gestão de fundos por parte de seus líderes e sufocado pelas sanções econômicas internacionais. Porém, a organização ganhou sobrevida graças ao poder de recrutar seguidores online. Atualmente, as ações do EI são empreendidas quase sempre por atores solitários ou pequenos grupos que foram radicalizados e incitados através da internet.

Em 2017, o exército iraquiano anunciou ter derrotado a organização no país, com a retomada de todos os territórios que o EI dominava desde 2014. O grupo, que chegou a controlar um terço do Iraque, hoje mantém apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas no país.

Assim, o principal reduto tanto do EI quanto da Al-Qaeda tornou-se o continente africano, onde conseguem se manter relevante graças à ação de grupos afiliados regionais, como Al-Shabaab, ISWAP, EIGS e Boko Haram. A expansão em muitas regiões da África é alarmante e pode marcar a retomada de força global dessas duas organizações, algo que em determinado momento tende refletir em regiões sem conflito, como Europa e Estados Unidos, alvos preferenciais de ataques terroristas.

No Brasil

Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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