por Anna Rangel
O fechamento dos consulados chinês em Houston, e norte-americano em Chengdu, marca um novo ponto baixo na relação bilateral China-EUA, tornada mais belicosa após a posse do presidente norte-americano Donald Trump. Mas o ponto de não retorno ainda não chegou.
É a avaliação de Roberto Goulart Menezes, professor da UnB (Universidade de Brasília) e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos Sobre os Estados Unidos (INCT-INEU). Atores políticos dos dois lados querem evitar chegar às vias de fato, afirma.
Para Menezes, o apoio do Congresso e da opinião pública norte-americana só viria em caso de uma ação chinesa que trouxesse ameaça real à segurança do país. O resto seria “um discurso já esperado de um governo que vê a China como um desafiante que precisa ser contido.”
Já o governo chinês é pragmático e agirá sob princípios de reciprocidade. “A política no trato com os EUA não tende a confundir o atual governo com a parceria estratégica que começou quando o então presidente Richard Nixon selou o acordo que assegurou a China no Conselho de Segurança das Nações Unidas [em 1971]”, diz Menezes.
Fim de postos diplomáticos
Na última quarta (22), o governo dos EUA ordenou o fechamento do posto diplomático texano. Na sexta (24), os chineses revidaram: o consulado de Chengdu, em Sichuan (região central), aberto havia 35 anos, também seria encerrado.
Naquela sexta-feira, Stephen Biegun, vice-secretário de Estado, deu pistas de como o atual governo vê a relação com os chineses em um depoimento ao Comitê de Relações Exteriores do Senado, em Washington.
“Onde esse governo diverge dos anteriores é na disposição de encarar a desconfortável verdade no relacionamento entre a China e os EUA”, afirmou. “As políticas das últimas três décadas simplesmente não produziram o desfecho que gostaríamos, e os EUA precisam e irão tomar ações decisivas para conter a República Popular da China.”
Houve queixas de Beijing ao que se classificou como “intromissão” nas atividades do consulado de Houston. O Ministério das Relações Exteriores chinês também evocou a Convenção de Viena, que regulamenta as relações consulares, além das tratativas entre os dois países a respeito das atribuições dessas estruturas diplomáticas.
Em coletiva, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, Wang Wenbin, apelou à reciprocidade para justificar a decisão pelo fim do posto americano em Chengdu. “Foi uma legítima e necessária resposta”, afirmou. “A situação entre a China e os EUA não é algo que gostaríamos, e a responsabilidade é toda dos norte-americanos.”
O consulado de Chengdu baixou as portas nesta segunda (27), por volta das 10h da manhã, informou a chancelaria chinesa. A agência de notícias Associated Press informou que também já foram removidas as placas, a bandeira e outros símbolos dos EUA do prédio.
Impacto nas relações bilaterais
Para a AP, o fechamento das estruturas gerou “um senso de ruptura permanente não sentido durante crises anteriores”, como após o bombardeio acidental da embaixada chinesa em Belgrado, na Sérvia, em 1999 pela Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) durante a guerra do Kosovo.
O consulado de Chengdu, por exemplo, era estratégico – e o ponto mais próximo das províncias de Xinjiang e do Tibet, lembrou em comunicado a Secretaria de Estado dos EUA.
Em Xinjiang, há acusações de que Beijing tem promovido políticas de limpeza étnica da minoria uigur, muçulmana e de raízes étnicas na Ásia Central. Já o Tibet, que partilha ligações culturais com os povos do Himalaia, luta pela independência desde a invasão chinesa, em 1950.
Nos dois casos, os EUA impuseram sanções contra os responsáveis pelas políticas contra as culturas locais, que beneficiaram o povo han. Esse grupo étnico é o majoritário no país e chega a 92% da população chinesa.
“Vamos nos empenhar para alcançar as pessoas nessa importante região por meio de nossos outros postos na China”, dizia a nota, divulgada pela AP.
O futuro e o longo prazo
Problemas de direitos humanos e outras queixas à conduta chnesa guiaram o discurso do secretário de Estado Mike Pompeo na última quinta (23), na Biblioteca Presidencial Nixon, na Califórnia. Para Pompeo, “o antigo paradigma de alinhamento cego à China não vai funcionar”.
“O único jeito de mudar a China comunista será agir não com base no que os líderes chineses dizem, mas como se comportam”, afirmou. “Não podemos tratar essa encarnação da China como um país normal”.
Para Victor Vieira, doutorando da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e especialista em China, a visão de Beijing é longo prazo.
“Para uma civilização de quatro mil anos, a forma de ver tempo é distinta da ocidental. As recentes ações têm consequências, mas não devem impactar as relações muito adiante”, afirma o pesquisador, em período como visitante no War Studies Department do King’s College, em Londres.
A China veria esse tipo de discurso como circunscrito apenas a um período eleitoral ou a um mandato presidencial. “Seria uma coisa distinta, se por exemplo os EUA começassem a defender a independência de Taiwan ou Hong Kong, algo que interfira na política doméstica. O resto tende a ser relativizado e compreendido”, explica.