Premiê do Sudão assina acordo com militares e volta ao poder após sofrer golpe

Abdalla Hamdok irá liderar o Sudão até que novas eleições sejam realizadas. Não está claro, no entanto, quanto poder ele terá

Quase um mês após ser vítima de um golpe de Estado, no qual foi preso junto juntamente com funcionários do governo e lideranças políticas, Abdalla Hamdok, primeiro-ministro do Sudão, assinou um acordo com os militares e foi reconduzido ao cargo neste domingo (21). As informações são da rede Voice of America (VOA).

A resolução, anunciada em uma cerimônia transmitida ao vivo pela TV estatal, determina a soltura das autoridades sob custódia desde o dia 25 de outubro, incluindo o Partido Nacional Sudanês (Umma). O ato foi classificado por um grupo pró-democracia que mobilizou dezenas de protestos como “uma forma de traição”. Após a assinatura do pacto, manifestantes nas proximidades do palácio presidencial gritaram: “Hamdok vendeu a revolução”.

O premiê agora irá liderar “um gabinete tecnocrático independente”, disseram as autoridades, acrescentando que a ONU (Organização das Nações Unidas), Estados Unidos e outros desempenharam “papéis cruciais” na elaboração da medida. Ele vai liderar o Sudão até que novas eleições sejam realizadas. Não está claro quanto poder o governo teria, que deve permanecer sob supervisão dos militares.

Abdalla Hamdok, primeiro-ministro do Sudão (Foto: Wikimedia Commons)

Hamdok alegou que assinou o acordo para “impedir o derramamento de sangue”. “O sangue sudanês é precioso. Vamos parar o derramamento de sangue e direcionar a energia dos jovens para a construção e o desenvolvimento”, disse ele.

Pelo menos 39 pessoas foram mortas pelas forças de segurança no país após o golpe militar, 15 das quais teriam sido mortas a tiros. De acordo com fontes médicas, mais de 100 pessoas ficaram feridas durante os protestos. O gás lacrimogêneo também foi muito usado. Já as detenções foram feitas antes, durante e depois das manifestações. A polícia emitiu um comunicado dizendo que 89 policiais também ficaram feridos

Segundo a agência Associated Press (AP), o acordo ainda determina que uma investigação busque identificar os responsáveis ​​pelas mortes e ferimentos de civis e soldados.

O acordo possui 14 cláusulas que, garantem os militares, enfatiza que o poder deverá ser entregue a um governo democraticamente eleito após o período de transição.

“Ao assinar esta declaração, poderíamos estabelecer uma base genuína para o período de transição. Queremos estabelecer uma verdadeira parceria com todas as forças nacionais para que possamos, eventualmente, construir instituições que possam nos levar para a frente”, disse Abdel-Fattah Burhan, o principal autoridade militar sudanesa.

As Forças de Liberdade e Mudança (FFC, da sigla em inglês), coalizão civil que dividia o poder com os militares, afirmou em comunicado que não reconhece nenhum acordo com o exército sudanês.

“Afirmamos nossa posição clara e previamente anunciada: sem negociação e sem parceria e sem legitimidade para os golpistas”, decretou o FFC.

Por que isso importa?

O golpe de Estado no país do norte da África estremeceu o acordo de paz assinado em 2020, que representou uma trégua de anos de conflito no país africano e agora “coloca em perigo os importantes progressos alcançados em direção à democracia e aos direitos humanos”.

Além do governo de transição, os grupos Frente Revolucionária e Movimento de Libertação (Minni Minnawi) assinaram o documento no vizinho Sudão do Sul. À época, a expectativa era de que a rubrica colocasse um ponto final no conflito, que já dura 17 anos.

Desde 2003, os combates das forças armadas e milícias aliadas ao ex-presidente Omar al-Bashir já mataram cerca de 300 mil pessoas. Também forçaram o deslocamento de milhões, segundo a ONU. Al-Bashir foi deposto em abril de 2019, após uma série de disputas iniciadas ainda em 2018.

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