Defesa global de direitos humanos descentralizou-se em 2020, diz HRW

Relatório anual da ONG ressalta necessidade de pequenas frentes de países para conter avanços autoritários

O último ano testemunhou o aumento de frentes independentes de países na defesa dos direitos humanos. O movimento deve continuar em 2021, e o desafio do novo presidente norte-americano Joe Biden será o de restabelecer a participação de seu país nesses fóruns.

A avaliação é de Kenneth Roth, presidente da HRW (Human Rights Watch), organização internacional de defesa dos direitos humanos, e abre o relatório anual da ONG, divulgado no último dia 13.

Defesa global de direitos humanos tornou-se descentralizada, diz HRW
O democrata Joe Biden em pronunciamento na cidade de Altoona, Iowa, em agosto de 2019 (Foto: WikiCommons/Gage Skidmore)

Será preciso que Washington se junte a esforços estabelecidos desde 2017 para reconquistar de forma gradual uma posição de liderança. Seria uma “defesa mais global dos direitos”, segundo o relatório.

Iniciativas recentes

Na América Latina, um esforço foi a criação do Grupo de Lima, que condenou o endurecimento da ditadura na Venezuela. No passado, esse tipo de articulação ficava a cabo dos EUA – foi mais difícil para o governo de Nicolás Maduro ignorar as críticas, já que vinham de outras nações latino-americanas.

Na crise humanitária do povo rohingya, minoria muçulmana alvo de limpeza étnica em Mianmar, a pressão veio em 2017 da OCI (Organização de Cooperação Islâmica), com 56 países.

São raras as manifestações da entidade a respeito de outras questões senão Israel, mas a partir daquele ano houve a criação de uma iniciativa com a UE (União Europeia). Em 2019, um dos membros, a africana Gâmbia, protocolou uma denúncia no TPI (Tribunal Penal Internacional) para investigação de genocídio no país.

Na Síria, uma algo inesperada junção de forças da Alemanha, França e Turquia – essa última, a despeito das múltiplas violações dentro de seu território – garantiu um cessar-fogo contra civis em Idlib. A cidade era alvo de bombardeios das forças do governo de Bashar al-Assad com ajuda russa.

A Rússia, com ajuda da China, vetou uma resolução pela investigação de crimes de guerra na Síria no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas). Na sequência, as nações de Liechtenstein e Catar foram à Assembleia-Geral e conseguiram a abertura de um inédito “mecanismo internacional de investigação”.

Já a UE (União Europeia) tem estado ocupada com a contenção de ameaças antidemocráticas dentro de seu próprio território, personalizadas em uma Hungria e uma Polônia cada vez mais isoladas.

A última manobra desses governos, que investem de forma paulatina contra os freios e contrapesos institucionais internos, garantiu que parte dos subsídios anticrise da UE fosse destinada a eles mesmo com frequentes violações ao Estado de Direito, cujo respeito é condição para pertencer no bloco.

Bruxelas também impôs sanções contra o regime de Aleksander Lukashenko em Belarus, onde protestos varrem o país desde a sexta reeleição, considerada fraudulenta, do presidente.

Já no Conselho de Direitos Humanos, houve pedidos de investigação a violações no Iêmen, na Líbia, nas Filipinas, na Eritreia e na Arábia Saudita. Sem uma liderança definida, pequenos blocos de nações impetraram seus pedidos no órgão das Nações Unidas de forma independente.

Impunidade chinesa

O maior desafio para os direitos humanos no mundo continua sendo a China, segundo o relatório. O cerco no país é cada vez mais fechado desde a ascensão de Xi Jinping, em 2013, e que cinco anos depois conseguiu eliminar seu limite de mandatos.

O país é o responsável por múltiplas violações de direitos humanos em grande escala, observou Roth. Em 2020, houve o endurecimento contra Hong Kong, que na prática encerrou a dissidência contra Beijing no antigo território semiautônomo e ex-colônia britânica.

Também houve o aprofundamento das políticas de detenção e limpeza étnica dos muçulmanos uigures no extremo oeste do país, na província de Xinjiang. Ali, cerca de 1,3 milhão de pessoas já foram detidas em “campos de reeducação contra o extremismo”, onde passam por um processo de sinicização, que inclui a rejeição ao Islã e à sua cultura ancestral.

A China também é responsável pela já antiga repressão nas regiões do Tibete e da Mongólia Interior, também com o objetivo de apagar as culturas locais. “É o pior momento para os direitos humanos na China desde o massacre de 1989, que encerrou o movimento pela democracia da Praça da Paz Celestial”, diz o relatório.

Em 2020, a tentativa do governo chinês de esconder a gravidade da transmissão da Covid-19 no primeiro mês do ano também contribuiu para o espalhamento do vírus. Foram três semanas negando que havia transmissão de humanos para humanos.

Quando confrontada nas entidades internacionais, observa Roth, a política chinesa é a de articular junto a seus aliados contracomunicados apoiando suas atitudes. Em geral, aderem os principais violadores de direitos humanos e outras nações pobres, que dependem de recursos chineses.

O mais recente, liderado por Cuba, teve a adesão de 45 países – ante 54 no ano anterior. Já na eleição para o Conselho de Direitos Humanos, foi a mais votada entre as nações da Ásia-Pacífico. Desta vez, garantiu apenas a “nota de corte” suficiente para vencer outra campeã de violações, a Arábia Saudita.

Retorno a Carter

Para os próximos anos, o líder da HRW lembrou a abordagem do ex-presidente Jimmy Carter, no cargo de 1977 a 1981. Carter foi o primeiro a implementar a defesa dos direitos humanos como diretriz de política externa dos EUA.

De forma mais ou menos intensa, essa orientação atravessou governos de de diversos matizes ideológicos, como seu sucessor, o republicano Ronald Reagan (1981-1989).

“Vários dos sucessores de Carter não compartilhavam de seu comprometimento com os direitos humanos, mas nenhum rejeitou-o formalmente. Esse compromisso tocou o público dos EUA e encontrou uma demanda popular global”, afirma.

Por isso, será fundamental reapresentar a necessidade do respeito aos direitos humanos como um valor importante para os EUA como país, a seu público interno. Sem uma boa articulação de Biden e seu governo, o papel dos EUA pode ganhar cada vez maior irrelevância nos próximos governos.

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