A invasão ucraniana na região russa de Kursk não seria possível sem a participação da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), o que dá a Moscou o direito de responder militarmente contra a aliança e coloca o mundo “à beira de uma terceira guerra mundial.” Esta é a avaliação de autoridades russas citadas pela mídia estatal do país nos últimos dias, conforme as tropa do Kremlin tentam repelir a ofensiva que forçou a evacuação de mais de cem mil pessoas e viu cerca de mil quilômetros quadrados do território da Rússia passarem para o controle da Ucrânia.
“Com base na presença de modelos ocidentais de equipamento militar, bombardeios de infraestrutura civil com munições e mísseis de fabricação estrangeira, bem como na presença de evidências irrefutáveis da participação em grande escala de representantes de Estados estrangeiros no ataque aos territórios russos, podemos concluir que o mundo está à beira de uma terceira guerra mundial, cuja responsabilidade será inteiramente da responsabilidade dos países ocidentais”, disse o parlamentar Mikhail Shereme, membro do Conselho de Segurança do país, citado pela agência RIA Novosti.
O uso de armamento ocidental foi destacado inclusive por analistas ocidentais, com a ressalva de que nem todo arsenal fornecido a Kiev vem sendo empregado na ofensiva. Ouvido pela rede Voice of America (VOA), Vladislav Seleznyov, ex-porta-voz do Estado-Maior das Forças Armadas da Ucrânia, citou o HIMARS (Sistema de Foguetes de Artilharia de Alta Mobilidade), cedido por Washington, como crucial.

“A inteligência ucraniana funcionou perfeitamente. Portanto, algumas das colunas inimigas correndo para ajudar o exército russo na região de Kursk foram destruídas graças à artilharia e aos drones. Talvez à aviação”, disse Seleznyov. “E, claro, o verdadeiro flagelo do exército russo são os HIMARS, que transformam em cinzas uma enorme quantidade de armas, equipamentos e pessoal do exército russo.”
Entretanto, John Hardie, vice-diretor do Programa Russo na Fundação para a Defesa das Democracias, advertiu que a Ucrânia não foi autorizada a empregar contra o território russo o ATACMS (Sistema de Mísseis Táticos do Exército) MGM-140, com alcance de até 300 quilômetros. “Eu acho que Washington é o principal problema aqui”, disse ele sobre o veto.
Mas não é apenas o armamento ocidental que Moscou enxerga como um trunfo ucraniano. Nikolai Patrushev, assessor do presidente Vladimir Putin e presidente do Colégio Naval, acusa a Otan de fornecer também instrutores militares para preparar as forças de Kiev, bem como inteligência que viabiliza as operações ucranianas.
“A operação na região de Kursk também foi planejada com a participação da Otan e de agências de inteligência ocidentais. Esta ação criminosa foi causada por uma premonição do iminente colapso inevitável do regime neonazista de Kiev”, disse Patrushev ao jornal russo Izvestia.
Diferente de Shereme, no entanto, o conselheiro foca a resposta militar em Kiev, não na Otan. “Através dos esforços de Washington, foram criados todos os pré-requisitos para que a Ucrânia perca a sua soberania e perca parte dos seus territórios, incluindo aqueles em que alguns aliados americanos estão de olho há muito tempo.”
Invasão com o aval da Otan
Culpar a Otan pelo sucesso ucraniano e ameaçar uma resposta militar contra a aliança há tempos faz parte da cartilha do Kremlin. Embora a aliança não tenha confirmado o fornecimento de inteligência a Kiev para viabilizar a invasão em Kursk, alguns países-membros legitimaram a ofensiva, inclusive os EUA.
“Obviamente, apoiamos fortemente o esforço da Ucrânia para se defender contra a agressão da Rússia”, disse o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, na semana passada, logo após a invasão. “A política que anunciamos foi permitir que a Ucrânia respondesse a ataques vindos de um pouco além da fronteira russa. E, sim, na área onde eles estão operando atualmente, do outro lado da fronteira russa, vimos ataques vindos de lá.”
A Polônia é outro integrante da Otan a aprovar a operação, com o primeiro-ministro Donald Tusk afirmando que os ucranianos “têm todo o direito de travar uma guerra de forma a paralisar a Rússia”, como relatou a revista Newsweek. Segundo ele, o uso das armas ocidentais dentro do território russo se justifica porque as ações da Ucrânia são “defensivas”.
Avaliação semelhante foi feita pelo Ministério das Relações Exteriores da Alemanha, citado pelo site Politico: “A Ucrânia tem o direito à autodefesa consagrado na lei internacional”, disse Berlim.