Após dez anos e 311 mortes, missão de paz da ONU no Mali encerra as atividades

Nações Unidas deixarão de atuar no país africano a pedido do governo local, que dá preferência a uma parceira com mercenários russos

A missão de paz da ONU (Organização das Nações Unidas) no Mali, a Minusma, encerrou oficialmente suas atividades com uma cerimônia na segunda-feira (11). O processo vinha se desenrolando há meses, desde que o governo local solicitou que os mais de 13 mil soldados deixassem o país africano pois não vinham atingindo seus objetivos.

A Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização no Mali, que já durava dez anos, é a segunda com maior número de fatalidades da história das Nações Unidas. Desde que se estabeleceu, a Minusma registrou 311 mortes em serviço, 174 delas em atos hostis. Fica atrás somente da Unifil, no Líbano, que tem 332 mortes registradas.

Com a cerimônia de encerramento, mais de dez mil combatentes deixam o Mali. Os demais seguirão no país para concluir operações burocráticas e logísticas, como a entrega de equipamentos às autoridades locais, mas irão embora até o final do ano. de toda forma, já não atuam mais na manutenção da paz.

“Durante sua presença nas regiões centrais, a Minusma tornou a proteção de civis uma prioridade, tanto por meio da realização regular de patrulhas quanto pelo estabelecimento de bases operacionais temporárias”, disse a ONU em comunicado.

Comboio da Minusma, missão da ONU no Mali, em data incerta (Foto: twitter.com/UN_MINUSMA)
Segurança degradada

Antes de perder a Minusma, o país africano já havia aberto mão do apoio da França, até então o principal parceiro internacional do Mali no combate à violência, particularmente ao extremismo islâmico que domina áreas no centro e no leste do país.

Bamako prioriza hoje a parceria com o Wagner Group, da Rússia, que tem cerca de mil mercenários no Mali. Porém, o contingente não é suficiente para enfrentar a ameaça extremista, problema ampliado pela instabilidade que atinge a organização russa desde a morte de seu líder, Evgeny Prigozhin.

Com as saídas dos soldados franceses e da Minusma e ineficácia do Wagner Group, a ameaça extremista vem crescendo no Mali.

Quem mais se fortalece é a Al-Qaeda, cujo principal reduto é a região central maliana. Já o Estado Islâmico (EI) se concentra no leste e também aproveitou o vácuo de poder para ganhar ainda mais espaço. Aumentaram também os combates entre rebeldes tuaregues e as forças armadas malianas no norte.

Por que isso importa?

O Mali vive um período de instabilidade que começou com o golpe de Estado em 2012, quando grupos rebeldes e insurgentes islâmicos tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.

A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo.

Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem os militares na formação do novo governo.

Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população rejeitou a tomada de poder por Goita. Embora a população civil não tenha ido às ruas protestar contra o militar, usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.

Em meio à instabilidade política, cresceu no país a presença de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e ao EI, o que levou a uma explosão de violência nos confrontos entre extremistas e militares, com milhares de civis entre as vítimas.

Os conflitos, antes concentrados no norte do Mali, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. Assim, a região central maliana se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra as forças do governo.

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