Campanha da ONU pede justiça para meninas abusadas sexualmente nas Comores

No país africano, cerca de 30% das mulheres tornam-se noivas na infância, de acordo com dados divulgados pelas Nações Unidas

Cerca de 30% das mulheres nas ilhas Comores, uma pequena nação insular da África, tornam-se noivas ainda na infância e constituem a grande maioria dos casos de violência sexual notificados em todo o país africano.

Combater este flagelo foi o tema de um recente evento da ONU (Organização das Nações Unidas) realizado durante a sessão de abertura da Assembleia Geral, na qual altos funcionários pediram medidas para garantir que os perpetradores sejam responsabilizados por seus crimes.

“Eu o segui para dentro de casa. Eu não sabia que ele ia me estuprar”. Com apenas 13 anos, Mariama (nome fictício) foi agredida sexualmente por um vizinho ao voltar da escola. Nove meses depois, ainda criança, tornou-se mãe. “Aos 16 anos, tenho uma filha que tem quase um ano e meio”, diz ela.

Cerca de 17% das mulheres nas Comores sofreram pelo menos um incidente de violência física ou sexual em suas vidas, e mais de 30% das meninas se casam enquanto ainda são crianças.

A maioria dos casos de violência são relatados por meninas, diz Said Ahamed Said, do Ministério da Saúde de Comores. “No ano passado, recebemos 173 denúncias de violência sexual, das quais 162 foram contra meninas menores de 17 anos”, diz ele.

Mas, dadas as normas sociais nas Comores e a vulnerabilidade econômica das mulheres, acredita-se que os números oficiais sejam apenas a ponta do iceberg.

Moroni, capital das Comores (Foto: Flickr)

É considerado tabu para uma mulher denunciar violência, e enquanto ela ainda dividir a casa com o homem envolvido raramente há denúncia ou punição.

“Muitas vezes, a mulher não tem uma fonte de renda, e quando um homem se divorcia de uma mulher, ele não cuida mais dos filhos”, explicou Said. “Não há serviços sociais para lidar com esses casos, nem locais onde possam encontrar abrigo”.

Apesar dos desafios, a ONU está empenhada em acabar com todas as formas de violência contra mulheres e meninas nas Comores.

Assistência social

A agência de saúde reprodutiva da ONU (UNFPA) criou uma linha direta gratuita para que as sobreviventes possam pedir ajuda e informações sobre como receber assistência médica e jurídica e apoia o Serviço de Escuta e Proteção para Crianças e Mulheres Vítimas de Violência, na capital Moroni.

O órgão também oferece serviços de obstetrícia e anticoncepcionais, cuidados pós-estupro e triagem de infecções sexualmente transmissíveis, bem como encaminhamentos para hospitais. Desde 2021, um psicólogo também foi destacado para ajudar mulheres e meninas que foram deixadas sozinhas para cuidar de suas famílias.

Desde que o serviço começou, cerca de 17 anos atrás, a conscientização sobre a questão da violência sexual cresceu nas Comores, diz Said, e mulheres e meninas são mais propensas a denunciar ataques do que antes do início.

Após o ataque, Mariama, determinada a buscar ajuda e justiça, recebeu assistência médica e jurídica do centro, e a equipe a apoiou enquanto o caso avançava nos tribunais após a prisão do homem.

Justiça para as vítimas

O senso de urgência em garantir a responsabilização pela violência sexual foi enfatizado em um recente evento paralelo à 77ª Assembleia Geral da ONU, que enfatizou a necessidade de se concentrar nas necessidades e direitos das sobreviventes acima de tudo.

“A abordagem centrada na sobrevivente que promovemos é ouvir as sobreviventes, tratá-las com dignidade e defender uma resposta centrada em suas necessidades e desejos”, disse a Diretora Executiva do UNFPA, Natalia Kanem. “Poucas têm acesso à justiça, e a maioria dos perpetradores nunca assume a responsabilidade por seus crimes. Tal impunidade silencia as sobreviventes e encoraja os perpetradores.”

Kanem descreveu a violência sexual como uma “emergência global que exige nosso total compromisso, colaboração e mobilização”. “A violência sexual não é inevitável”, disse ela. “Não podemos permitir que se normalize de forma alguma”.

Para Mariama, a justiça foi frustrantemente curta: seu estuprador foi libertado depois de cumprir apenas um ano de prisão. “Ainda o vejo no nosso bairro, mas sempre me afasto ou mudo de rota. Se ele tentar falar comigo, eu não vou responder”, disse ela.

Embora ela tema ser atacada novamente, diz que está focada em seu futuro. “Meu foco agora é minha educação: quero me tornar uma advogada”.

Mariama quer defender a si mesma e a outras mulheres, especialmente a filha. “Quero que ela seja capaz de se defender melhor e a outras meninas que possam sofrer qualquer forma de abuso.”

Conteúdo adaptado do material publicado originalmente em inglês pela ONU News

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