Civis são o principal alvo dos mercenários do Wagner Group na África, aponta relatório

Atuação dos mercenários tem como alvo a população local em mais da metade das operações na República Centro-Africana e no Mali

A população civil é o principal alvo da organização paramilitar russa Wagner Group na República Centro-Africana (RCA) e no Mali, os dois países africanos onde os mercenários marcam maior presença. É o que aponta um relatório publicado pelo Projeto de Dados de Eventos e Localização de Conflitos Armados (ACLED, na sigla em inglês), que monitora crises em todo o mundo.

“O Wagner Group começou a operar na RCA em 2018, depois que a RCA e o governo russo assinaram um acordo de troca de armas e apoio militar russo por concessões de mineração lucrativas”, diz o relatório. Desde o final de 2020, foram registrados 180 ataques contra civis por parte dos membros do Wagner, número que corresponde a 52% das operações da organização no país.

Inicialmente, os integrantes do Wagner Group atuavam como “instrutores militares”, tendo entrado na RCA “ao lado de grandes quantidades de armas após a decisão do Conselho de Segurança da ONU de renunciar a um embargo de armas pré-existente” por lá.

Integrante do Wagner Group em Donetsk, Ucrânia (Foto: reprodução/vk.com)

Entretanto, no final de 2020, a função mudou para uma de combate direto, conforme a situação na RCA se deteriorava antes das eleições de dezembro. Então, aliado às forças do governo, o Wagner Group se tornou um agente dominante de violência política. Entre todos os casos que o ACLED registrou entre dezembro de 2020 e julho de 2022 no país, quase 40% dos eventos envolvem os mercenários. 

Com o tempo, a organização russa passou a atuar cada vez mais de forma independente das forças armadas locais. E isso fez a violência aumentar de novo. “Ao operar independentemente na RCA, os mercenários do Wagner se envolveram em um nível desproporcionalmente mais alto de violência contra civis do que quando operavam ao lado de forças estatais”, diz o documento.

No Mali, os mercenários foram contratados pela junta militar local para reforçar as operações de contraterrorismo em meio à retirada gradual das forças estrangeiras que exerciam essa função. Ali, o Wagner teve civis como alvo em 71% de suas ações, com cerca de 500 mortes atribuídas ao grupo, de acordo com o ACLED.

O documento relata um episódio em particular, o massacre de civis em Moura, uma vila controlada por extremistas islâmicos. Na ocasião, no final de março deste ano, entre 350 e 380 pessoas foram mortas durante quatro dias de intervenção.

Desde a chegada do Wagner, a distinção entre civis e extremistas é cada vez mais tênue no Mali, segundo o relatório, que acrescenta: “Alegações de abusos e execuções sumárias são regularmente descartadas como falsas ou como parte de uma guerra de desinformação contra o Mali”. 

O ACLED lembra um episódio de desinformação, no qual as forças malianas tentaram atribuir seus abusos aos franceses. Na ocasião, tropas da França teriam frustrado uma tentativa do Wagner de “montar uma vala comum perto da cidade de Gossi para desacreditar as forças francesas, alegando que os corpos foram deixados para trás depois que os franceses entregaram o acampamento militar”.

Por que isso importa?

O nome do Wagner Group remete ao pseudônimo de seu fundador, Dmitriy ‘Wagner’ Valeryevich Utkin, que por sua vez tomou como referência o compositor alemão favorito de Hitler e um dos símbolos da Alemanha nazista. O financiamento, privado, é uma incumbência de Evgeny Prigozhin, um aliado do presidente russo Vladimir Putin.

A atuação da organização sempre foi envolta em mistério, inclusive com alegações de que sequer existia. Porém, as inesperadas dificuldades enfrentadas por Moscou na guerra na Ucrânia levaram o Kremlin a buscar reforços, e os mercenários surgiram como alternativa. A ponto de o grupo ter o nome citado na TV estatal e de ter criado uma campanha para recrutar novos membros na Rússia.

Há indícios de que ao menos dez mil pessoas já serviram ao Wagner Group desde que ele deu as caras pela primeira vez. Foi em 2014, quando os mercenários foram destacados para dar suporte às forças separatistas pró-Rússia da região de Donbass e na Crimeia, na Ucrânia.

De lá para cá, há sinais de presença do grupo em conflitos em diversos países. Os mercenários são acusados de inúmeros crimes de guerra, e agora acredita-se que por volta de mil deles estejam em ação na guerra iniciada no dia 24 de fevereiro de 2022.

Embora o grupo alegue não ter nenhuma relação formal com o Kremlin, o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Departamento do Tesouro dos EUA já designou o Wagner Group como uma “força de procuração do Ministério da Defesa da Rússia”, segundo artigo assinado por James Petrila e Phil Wasielewski e publicado no blog Lawfare.

Em agosto de 2021, um mercenário ouvido pela BBC afirmou que a organização “é uma estrutura que visa promover os interesses do Estado para além das fronteiras do nosso país (a Rússia)”. E classificou os combatentes como “profissionais da guerra”, pessoas em busca de emprego ou apenas “românticos que querem servir seu país”.

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