Familiares de dissidentes tunisianos presos recorrem ao Tribunal Penal Internacional

Filhos de presos políticos denunciaram perseguição e violações dos direitos humanos pelo regime do presidente Kais Saied

Nesta quinta-feira (5), familiares de advogados e políticos presos na Tunísia fizeram um apelo ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, buscando uma investigação sobre casos de perseguição política e violações dos direitos humanos. Essa ação ocorre no momento em que mais opositores do presidente Kais Saied estão sendo presos, com alguns deles recorrendo à greve de fome. As informações são da agência Associated Press.

Os familiares acusam Saied e membros de seu governo de violações ocorridas em campanhas de perseguição direcionadas contra líderes e partidos da oposição, tunisianos negros e migrantes, juízes, sindicatos, jornalistas e a sociedade civil.

Yusra Ghannouchi, cujo pai, o líder da oposição Rached Ghannouchi, está preso, se juntou aos filhos e filhas de outros dissidentes detidos para expressar sua intenção de levar o caso ao TPI.

O presidente da República da Tunísia Kais Saied em 2019 (Foto: WikiCommons)

Membros do mesmo grupo já apresentaram um caso semelhante ao Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos no início deste ano.

O advogado das famílias explicou em coletiva de imprensa nesta quinta que há dois tipos de crimes que precisam ser investigados: “Aqueles contra pessoas que são apontadas porque são opositores dos atuais governantes e, em segundo lugar, migrantes negros e tunisinos negros alvo de uma onda de repressão brutal.”

Pelo menos 41 dos principais críticos do governo foram presos em uma ação para reprimir a dissidência. Isso levantou preocupações de que o país do norte da África, que uma vez foi visto como a única democracia surgida a partir da Primavera Árabe, possa estar caminhando de volta para uma autocracia.

Hostilidade vertiginosa

O anúncio da ação no TPI dá um panorama do ambiente político cada vez mais repressivo que surgiu na Tunísia desde a revisão da Constituição em 2021, que permitiu que Saied ampliasse seus poderes, suspendesse o parlamento e governasse principalmente por meio de decretos. Com a economia do país enfrentando desafios, o governo prendeu inúmeros críticos e incentivou a hostilidade contra migrantes negros, o que, em alguns casos, levou a episódios de violência.

O grupo deve entregar ao promotor do TPI, Karim Khan, documentos que expliquem alegações relacionadas a pelo menos um dos quatro tipos de crimes que o tribunal investiga: genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra ou crimes de agressão.

Nas últimas semanas, políticos detidos na Tunísia realizaram greves de fome em protesto contra o que a equipe de defesa de cinco grevistas descreveu como “um processo judicial injusto que resultou em suas prisões”.

O advogado da equipe reconheceu que seria “desafiador” garantir que o TPI iniciasse a investigação. No entanto, no passado, queixas apresentadas sob o Artigo 15 do Estatuto de Roma, tratado internacional que estabeleceu a corte, foram investigadas pelo promotor, incluindo casos de violações dos direitos humanos em Mianmar.

Por que isso importa?

A instabilidade política na Tunísia se intensificou no final de julho de 2021, quando Saied destituiu o primeiro-ministro Hichem Mechichi, suspendeu as atividades do parlamento e concentrou em suas mãos quase todos os poderes do Estado.

Além disso, Saied suspendeu a imunidade parlamentar dos legisladores e assumiu poderes judiciais. No dia 14 de julho, antes de derrubar o governo, ele também ordenou a abertura de uma investigação contra três partidos políticos suspeitos de receberem fundos estrangeiros antes da eleição de 2019, da qual ele saiu vitorioso.

A intervenção de Saied, que colocou em xeque os avanços democráticos do país conquistados desde a Primavera Árabe, em 2011, se segue a anos de crise econômica e inércia política, ao que se soma a pandemia de Covid-19 e um processo de vacinação popular lento.

Nos últimos dez anos, o país acumulou problemas. Teve dez primeiros-ministros diferentes, que falharam em combater a corrupção e em estabilizar economicamente o país. Novato na política, o jurista Saied era uma aposta dos tunisianos para mudar a situação. O discurso anticorrupção e a rejeição ao sistema político tradicional permitiram que vencesse o pleito com mais de 70% dos votos.

No dia 24 de julho de 2021, um dia antes de Saied derrubar o governo, os tunisianos foram às ruas protestar mais uma vez. Veio, então, a queda do primeiro-ministro e a suspensão do parlamento. Para os partidos de oposição, sobretudo o Ennahda, as ações do presidente configuram um golpe de Estado.

A favor de Saied sempre pesou o apoio do exército, que já agiu para impedir o acesso de deputados e outros representantes populares ao parlamento. A população desde então se divide entre apoiar e contestar as medidas.

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