Faturamento bilionário do Wagner Group com ouro africano financia a guerra russa, diz estudo

Organização paramilitar privada firma parcerias com nações africanas e oferece reforço armado em troca de riquezas naturais

Mesmo após a morte de seu líder, Evgeny Prigozhin, em uma misteriosa tragédia aérea em 23 de agosto, o Wagner Group continua sendo uma fonte de renda crucial para a Rússia, afogada nos gastos com a guerra da Ucrânia. Segundo estudo assinado por cinco pesquisadores, entre eles a analista política Jessica Berlin, Moscou faturou, somente desde o início do conflito, US$ 2,5 bilhões com ouro de países africanos, parte dos acordos de segurança firmados entre essas nações e a organização paramilitar privada.

A presença russa na África tem aumentado bastante e invariavelmente se escora nos pactos de segurança envolvendo o Wagner Group. A crescente influência do Kremlin em países africanos levou inclusive a uma ruptura dos governos locais com antigos parceiros ocidentais, sobretudo a França, cujos soldados foram expulsos de nações como o Mali e o Níger. Inclusive a ONU (Organização das Nações Unidas) teve suas missões de paz encerradas, abrindo assim espaço para a atuação dos mercenários.

“Neste ambiente, a Companhia Militar Privada Wagner, ou Wagner Group, financiada pelo Kremlin, tem servido como uma fonte de receitas cada vez mais importante para o Estado russo”, diz o relatório fruto do estudo, intitulado The Blood Gold Report (O Relatório do Ouro de Sangue, em tradução literal).

Mercenários do Wagner Group em ação na Ucrânia (Foto: VK/Reprodução)

O documento destaca a suposta independência da organização paramilitar em relação ao governo russo, o que permite ao Kremlin se distanciar dos abusos atribuídos ao Wagner Group, entre eles acusações de homicídio, estupro, tortura e crimes de guerra em geral. Só que esse distanciamento não condiz com a realidade.

“O Wagner sempre operou com o apoio político e material da Federação Russa para promover os interesses do Estado russo”, afirma o relatório, segundo o qual a presença no continente africano teve início em 2017.

“Em cada país em que entra, o Wagner destaca treinadores militares, combatentes mercenários e especialistas em propaganda para apoiar regimes antidemocráticos, gerar instabilidade e cometer violações dos direitos humanos”, afirmam os pesquisadores. “A prestação ostensiva de ‘serviços de segurança’ por parte do grupo mercenário cria um quadro para contratos comerciais lucrativos para a extração de recursos naturais, incluindo diamantes, petróleo, madeira e especialmente ouro.”

O foco do estudo é o ouro extraído de três países onde os mercenários marcam presença e recebem riquezas naturais em troca de seus serviços: Mali, Sudão e República Centro-Africana.

Com base na apuração dos pesquisadores, o Sudão é de longe quem mais rendeu dinheiro a Moscou. O Wagner teria se tornado o principal comprador do ouro sudanês, bem como “um grande contrabandista de ouro processado”, riqueza que costuma deixar o país em voos militares russos.

“Embora seja quase impossível rastrear o mercado de ouro não declarado do Sudão, as estimativas sugerem que quase US$ 2 bilhões em ouro são contrabandeados para fora do país todos os anos sem que os valores sejam declarados, com a ‘companhia Russa’ numa posição privilegiada para tirar vantagem”, diz o relatório.

Na República Centro-Africana, o Wagner tem direitos exclusivos de exploração da mina de Ndassima, a maior do país, em troca de proteção ao regime totalitário do presidente Faustin-Archange Touadéra, no poder desde 2016. A produção anual da mina é avaliada em US$ 290 milhões, e há suspeitas de que mineiros tenham sido assassinados pelos mercenários.

No Mali, a fim de pagar os US$ 10,8 milhões mensais devidos ao Wagner, parceiro da junta militar que tomou o poder no golpe de Estado de maio de 2021, o governo recorre até a mineradoras ocidentais como a canadense Barrick Gold Corporation. É através delas que o regime obtém o dinheiro entregue aos mercenários, que ao menos por enquanto não têm o direito de explorar diretamente o ouro malinês.

Mas a situação no Mali está prestes a mudar, segundo os pesquisadores. A Rússia já preparou terreno para ampliar seus lucros no país e em breve passará a operar, através do Wagner, uma refinaria pela qual passará todo o ouro produzido no país.

De acordo com o estudo, os enormes lucros obtidos pelo Kremlin através do Wagner são cruciais para financiar não apenas a guerra da Rússia contra a Ucrânia, mas também “a guerra híbrida contra as democracias ocidentais e os Estados democráticos em todo o mundo.”

O relatório, então, conclui: “É necessária uma ação internacional concertada por parte dos setores público e privado para impedir o comércio de ouro de sangue do Wagner, que alimenta a máquina de guerra da Rússia com até US$ 114 milhões por mês. O ouro de sangue ajudou a financiar o assassinato de dezenas de milhares e o deslocamento de milhões em toda a África e na Ucrânia. A hora de agir é agora.”

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