Sem as tropas da França e da ONU, violência extremista se espalha por todo o Mali

Apoiado pelo Wagner Group, exército sofre para conter a Al-Qaeda no centro, o Estado Islâmico no leste e tuaregues no norte do país

Após o fim da aliança com a França e em meio à retirada das tropas de paz da ONU (Organização das Nações Unidas), a junta militar que governa o Mali vem enfrentando dificuldades para conter o avanço dos grupos extremistas, cujas atividades se intensificaram no norte, no leste e na região central do país africano. As informações são da agência Reuters.

O maior desafio está concentrado no centro do país, onde os insurgentes retomaram o controle da cidade de Timubktu, capital da região de mesmo nome. Eles bloquearam o acesso terrestre, marítimo e aéreo, comprometendo o reabastecimento e levando a um aumento no preço sobretudo dos alimentos.

Embora respondam de maneira feroz com ataques aéreos, que atingem inclusive a população civil, os militares não conseguem atuar em todas as frentes, evidenciando um problema que está diretamente ligado ao rompimento das parceiras com Paris e as Nações Unidas.

No final de agosto, a ONU afirmou que sua missão de paz já havia reduzido em 25% a presença no Mali. No total, a operação de retirada envolve a repatriação de 12.947 boinas-azuis e a realocação de uma carga de 5,5 mil containers de equipamentos e quase quatro mil veículos. A transição também envolve o fechamento e entrega de 12 campos e uma base operacional para as autoridades civis malianas. 

Soldados do exército do Mali em exercício militar em Bamako (Foto: divulgação/africom.mil)

O encerramento do mandato da Minusma (Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização do Mali) foi aprovado em junho a pedido das autoridades locais, e a retirada deve ser concluída até 31 de dezembro de 2023.

Antes, o país já havia aberto mão do apoio francês, voltando suas atenções para uma parceria com o Wagner Group, da Rússia. Embora cerca de mil mercenários tenham sido enviados ao Mali, o contingente não tem sido suficiente para enfrentar os extremistas. Sem falar na instabilidade que atinge a organização desde a morte de seu líder, Evgeny Prigozhin.

A decisão de Paris de evacuar seus militares já vinha gerando dúvidas quanto à capacidade de o país africano sustentar os avanços obtidos na luta contra os insurgentes.

O novo cenário fortaleceu a Al-Qaeda, que marca presença sobretudo na região central do país, e o Estado Islâmico (EI), cujo principal reduto fica no leste. Aumentaram ainda os combates entre rebeldes tuaregues e as forças armadas malianas no norte do país.

A facção mais ativa é o Grupo de Apoio ao Islã e aos Muçulmanos (GSIM, na sigla em francês), também conhecido pelo nome em árabe Jamaat Nasr al-Islam wal Muslimin (JNIM). Trata-se de um grupo ligado à Al-Qaeda que atua em todo o Sahel e surgiu em 2017 como uma coalizão de forças islâmicas locais.

De acordo com a ONG Armed Conflict Location & Event Data (ACLED), mais de 650 pessoas morreram em virtude da violência no Mali desde o início da retirada das tropas da ONU, um aumento de cerca de 40% em relação aos dois meses anteriores.

Por que isso importa?

O Mali vive um período de instabilidade que começou com o golpe de Estado em 2012, quando grupos rebeldes e insurgentes islâmicos tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.

A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos ingressos dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.

Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem os militares na formação do novo governo.

Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.

Em meio à instabilidade política, cresceu no país a presença de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e principalmente ao EI, o que levou a uma explosão de violência nos confrontos entre extremistas e militares, com milhares de civis entre as vítimas.

Os conflitos, antes concentrados no norte do Mali, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. Assim, a região central maliana se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra as forças do governo.

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