Gana deporta à força refugiados que fugiram da violência em Burkina Faso, diz ONU

De acordo com a Acnur, cerca de 251 pessoas, a maioria delas mulheres e crianças em busca de segurança longe de extremistas, foram expulsas e forçadas a deixar o norte de Gana

Gana forçou a deportação de centenas de indivíduos que buscam escapar da violência em Burkina Faso, revelou o Acnur (Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) na quinta-feira (13). De acordo com a agência, cerca de 251 pessoas, a maioria mulheres e crianças em busca de segurança no norte do Gana, foram expulsas. As informações são da agência Associated Press (AP).

Em comunicado emitido na quarta-feira (12), Alpha Seydi Ba, porta-voz regional do Acnur para a África Ocidental e Central, instou o governo ganense a interromper as deportações, consideradas uma violação do princípio de não repulsão, e a assegurar acesso ao território e asilo aos cidadãos de Burkina Faso em busca de proteção.

O princípio de não repulsão, consagrado no direito internacional, proíbe o retorno de pessoas em busca de asilo ou refúgio quando sua vida ou liberdade estão em perigo.

Milhares de burquinenses que se deslocaram após o massacre em Seytenga ano passado encontraram segurança além da fronteira com o Níger (Foto: ACNUR/Divulgação)

A violência extremista, associada à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico (EI), resultou em milhares de mortes e deslocou mais de dois milhões de pessoas internamente. Muitos outros fugiram para países vizinhos.

Até julho do ano passado, aproximadamente 40 mil pessoas deixaram Burkina Faso em meio à crise humanitária, sendo que metade foi para o Mali, mais de 11 mil para o Níger e oito mil para Gana. As Nações Unidas têm trabalhado em conjunto com as autoridades ganenses para proteger os solicitantes de asilo.

Além da violência, pesa também a instabilidade política, com o país tendo enfrentando dois golpes de Estado: um em 24 de janeiro, liderado pelo tenente-coronel Paul-Henri Sandaogo Damiba, e outro em 30 de setembro, perpetrado pelo capitão Ibrahim Traoré, que atualmente está no comando do país.

O Ministério da Segurança do Gana rejeitou as acusações, as quais afirmou serem “infundadas”. Também declarou que os cidadãos burquinenses que desejavam retornar estavam sendo repatriados.

Segundo o órgão governamental, o processo de repatriação segue os protocolos internacionais para a gestão de refugiados e tem sido conduzido em colaboração com as autoridades de imigração de Burkina Faso ao longo da fronteira entre os dois países.

Em uma carta enviada na quarta-feira às autoridades ganenses, o Ministério das Relações Exteriores de Burkina Faso expressou preocupação com a impossibilidade de os repatriados levarem seus pertences e solicitou que as autoridades de Gana permitissem que as pessoas recuperassem seus bens.

Por que isso importa?

Burkina Faso convive desde 2015 com a violência de facções da Al-Qaeda e do EI, insurgência que levou a um conflito com as forças de segurança e matou milhares de pessoas. Grupos armados lançam ataques ao exército e a civis, desafiando também a presença de tropas estrangeiras.

Os ataques costumavam se concentrar no norte e no leste, mas agora estão se alastrando por todo o país, com quase metade do território nacional fora do controle do governo central. Assim, Burkina Faso superou Mali e Níger como epicentro da violência jihadista na região.

pior ataque extremista já registrado em Burkina Faso ocorreu em 5 de junho de 2021, quando insurgentes incendiaram casas e atiraram em civis ao invadirem a vila de Solhan, no norte. Na ocasião, 160 pessoas morreram.

Após um período de relativa calmaria, a violência aumentou no último ano, após a tomada do poder no país por uma junta militar em janeiro de 2022. Oficiais descontentes derrubaram o presidente eleito Roch Marc Christian Kabore, que enfrentava protestos pela forma como combatia a sangrenta insurgência jihadista. Mais tarde, em setembro, um segundo golpe levou a nova mudança no poder, com o capitão Ibrahim Traoré assumindo o governo central. A instabilidade só faz crescer o problema da insurgência.

Para especialistas, os extremistas decidiram aproveitar a divisão pública no país. “Os novos ataques sinalizam uma onda crescente de militância no norte de Burkina Faso e levantam preocupações sobre o alcance crescente de grupos terroristas que, sem dúvida, estão dificultando ainda mais o trabalho da junta de proteger o país”, disse Laith Alkhouri, CEO da Intelonyx Intelligence Advisory, uma empresa que realiza análises no setor de inteligência.

A situação tornou ainda mais delicada em 2023, após a França acatar um pedido do governo central burquinense e retirar suas tropas da nação africana. Paris mantinha entre 200 e 400 membros de suas forças especiais por lá, parte da Operação Barkhane de combate ao extremismo no Sahel.

A violência descontrolada gerou uma crise humanitária que forçou mais de dois milhões de pessoas a fugir de suas casas, com milhares de mortes ligadas ao conflito. Estima-se que quase cinco milhões de pessoas sofram de insegurança alimentar em Burkina Faso, três milhões delas no estágio agudo.

No Brasil

Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista Veja mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem seguidores do EI foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras).

Ele acrescenta: “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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