Investigação aponta militares como responsáveis por massacre de civis no norte de Burkina Faso

Anistia Internacional ouviu testemunhas para apurar quem realizou o ataque que matou 147 pessoas, entre elas 45 crianças

O Terceiro Batalhão de Intervenção Rápida (3º BIR) das forças armadas de Burkina Faso foi responsável pelo massacre de civis na aldeia de Karma, no norte do país, no dia 20 de abril. Quem afirma é a ONG Anistia Internacional (AI), que realizou uma investigação para apurar as responsabilidades no episódio que terminou com a morte de ao menos 147 pessoas, entre elas 45 crianças.

“O massacre de Karma é mais um exemplo de violência contra civis no conflito em Burkina Faso”, disse Samira Daoud, diretora do escritório da AI na África Ocidental e Central, que citou ações anteriores semelhantes igualmente atribuídas ao exército. “Tais ataques contra civis devem ser interrompidos imediatamente”, acrescentou ela.

A ONG colheu testemunhos de sobreviventes e fontes da cidade de Ouahigouya, a 15 quilômetros de Karma. Constatou, assim, que militares uniformizados entraram na aldeia às 7h30, pelo horário local, para o que parecia ser uma patrulha de rotina.

“Os soldados cercaram os habitantes, recolheram seus documentos de identidade e atiraram contra os moradores à queima-roupa, matando pelo menos 147 pessoas. O ataque durou das 7h30 às 14h”, diz o relatório da AI, destacando que 45 crianças estão entre as vítimas fatais.

Capitão Ibrahim Traoré, chefe da junta militar que governa Burkina Faso (Foto: twitter.com/capit_ibrahim)

Os militares acusavam os residentes de não terem denunciado grupos de extremistas que teriam passado pela aldeia no dia 15 de abril, quando atacaram as posições do exército e da milícia armada pró-governo Voluntários Para a Defesa da Pátria (VDP). Na ocasião, oito soldados e 32 voluntários foram mortos pelos insurgentes.

“Não sabíamos o que estava acontecendo. Quando o exército chegou na manhã de quinta-feira, 20 de abril, às 7h30, os moradores naturalmente saíram para recebê-los e se reunir em torno deles”, disse uma testemunha identificada apenas como Hassane, parente de uma das vítimas.

Segundo Hassane, alguns militares vestiam uniformes pretos, outros usavam uniformes esverdeados, além de capacetes e capuzes. “Estavam em diversas picapes e motocicletas. Uns falavam em dioula, outros em mooré. Eles primeiro pediram aos aldeões suas carteiras de identidade e depois começaram a atirar neles”, contou.

Algumas das testemunhas disseram que havia no grupo soldados vestindo camisetas com o texto “3º BIR”, identificando assim o destacamento do exército ao qual pertencem. “Esses soldados foram vistos por volta das 5h da manhã por vários moradores ao redor da Place de la Nation aqui em Ouahigouya”, afirmou outra testemunha.

Hassane acrescentou que os mesmos soldados responsáveis pelo massacre retornaram a Ouahigouya no domingo, 23 de abril, e lá permaneceram até o dia seguinte. O Ministério Público local abriu no dia 22 de abril uma investigação para apurar os fatos e responsabilidades.

“Esta investigação deve ser conduzida de forma imparcial e independente para que os responsáveis ​​por crimes de guerra e outras violações graves possam ser levados aos tribunais comuns de acordo com os padrões de julgamento justo”, disse Samira Daoud.

Por que isso importa?

Burkina Faso convive desde 2015 com a violência de facções da Al-Qaeda e do Estado Islâmico (EI), insurgência que levou a um conflito com as forças de segurança e matou milhares de pessoas. Grupos armados lançam ataques ao exército e a civis, desafiando também a presença de tropas estrangeiras.

Os ataques costumavam se concentrar no norte e no leste, mas agora estão se alastrando por todo o país, com quase metade do território nacional fora do controle do governo central. Assim, Burkina Faso superou Mali e Níger como epicentro da violência jihadista na região.

pior ataque extremista já registrado em Burkina Faso ocorreu em 5 de junho de 2021, quando insurgentes incendiaram casas e atiraram em civis ao invadirem a vila de Solhan, no norte. Na ocasião, 160 pessoas morreram.

Após um período de relativa calmaria, a violência aumentou no último ano, após a tomada do poder no país por uma junta militar em janeiro de 2022. Oficiais descontentes derrubaram o presidente eleito Roch Marc Christian Kabore, que enfrentava protestos pela forma como combatia a sangrenta insurgência jihadista. Mais tarde, em setembro, um segundo golpe levou a nova mudança no poder, com o capitão Ibrahim Traoré assumindo o governo central. A instabilidade só faz crescer o problema da insurgência.

Para especialistas, os extremistas decidiram aproveitar a divisão pública no país. “Os novos ataques sinalizam uma onda crescente de militância no norte de Burkina Faso e levantam preocupações sobre o alcance crescente de grupos terroristas que, sem dúvida, estão dificultando ainda mais o trabalho da junta de proteger o país”, disse Laith Alkhouri, CEO da Intelonyx Intelligence Advisory, uma empresa que realiza análises no setor de inteligência.

A situação tornou ainda mais delicada em 2023, após a França acatar um pedido do governo central burquinense e retirar suas tropas da nação africana. Paris mantinha entre 200 e 400 membros de suas forças especiais por lá, parte da Operação Barkhane de combate ao extremismo no Sahel.

A violência descontrolada gerou uma crise humanitária que forçou mais de dois milhões de pessoas a fugir de suas casas, com milhares de mortes ligadas ao conflito. Estima-se que quase cinco milhões de pessoas sofram de insegurança alimentar em Burkina Faso, três milhões delas no estágio agudo.

No Brasil

Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista Veja mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem seguidores do EI foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras).

Ele acrescenta: “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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