A capital do Mali, Bamako, vive dias de tensão. Postos de gasolina lotados, filas quilométricas e o som constante de helicópteros militares compõem o cenário de uma cidade sitiada, não oficialmente, mas na prática. A poucos quilômetros dali, combatentes do grupo Jama’at Nusrat al-Islam Wal-Muslimin (JNIM), coalizão jihadista maliana afiliada à Al-Qaeda, bloqueiam estradas, emboscam comboios e isolam a capital de um país já marcado por golpes, sanções e crises humanitárias. As informações são da CNN.
Nas últimas semanas, a ofensiva jihadista ganhou força. Caminhões-tanque foram incendiados, comboios militares emboscados e cidades inteiras deixaram de receber combustível. O JNIM, que há anos atua no centro e no norte do Mali, expandiu seu alcance e agora pressiona o poder central, em uma estratégia que especialistas descrevem como “guerra econômica”.

Com o abastecimento comprometido, escolas e universidades fecharam as portas. A população, sem alternativas, enfrenta a escassez de alimentos e energia. “Eles estão estrangulando Bamako sem precisar invadir”, resume o analista de terrorismo Daniele Garofalo, ouvido pela reportagem.
A crise levou o Reino Unido, os Estados Unidos e a Alemanha a recomendarem a saída imediata de seus cidadãos. O Departamento de Estado americano citou a “imprevisibilidade da situação de segurança”, enquanto Londres pediu que britânicos “deixem o país por meios comerciais, se possível”.
Formado em 2017 a partir da fusão de facções jihadistas, o JNIM declarou lealdade à Al-Qaeda e rapidamente consolidou seu poder no Sahel. Hoje, controla rotas de contrabando entre a Costa do Marfim, Burkina Faso e Gana, e tem acesso a armamento pesado, drones e veículos blindados capturados do exército.
A junta militar de Assimi Goïta, que governa o Mali desde 2021, recorreu a mercenários russos, primeiro do Wagner Group e agora do chamado Afrika Korps. Ainda assim, os resultados foram desastrosos: as forças estrangeiras acumulam baixas e enfrentam crescente rejeição popular. Um relatório da Human Rights Watch acusa os militares e seus aliados russos de execuções e desaparecimentos de civis da etnia fulani, suspeitos de colaborar com jihadistas.
No campo político, o isolamento do regime é quase total. Bamako rompeu laços com a França, entrou em conflito com a ONU e desafiou a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). Sem apoio externo, a junta tenta resistir sozinha a um inimigo que domina o território e, cada vez mais, a narrativa.
“O JNIM se tornou hábil em explorar o descontentamento das populações rurais e das minorias étnicas, apresentando-se como alternativa a um Estado corrupto e distante”, explica Garofalo. “Seu objetivo é enfraquecer sistematicamente o governo e se posicionar como o poder de fato.”
Especialistas alertam que a queda de Bamako seria um golpe devastador para a região. Burkina Faso e Níger, já instáveis, enfrentariam uma expansão direta da influência jihadista. “A propagação para Burkina Faso é praticamente certa”, avalia Edmund Fitton-Brown, ex-coordenador da equipe de sanções da ONU.
Por enquanto, o JNIM parece apostar na paciência. Em vez de lançar um ataque frontal, prefere cercar, desgastar e sufocar o governo maliano. A tática tem funcionado. Bamako continua de pé, mas cada vez mais isolada.
O Counter Extremism Project alerta que, se a situação continuar, o Mali poderá se tornar o primeiro país efetivamente governado por uma filial da Al-Qaeda em quatro décadas. Uma perspectiva que, até pouco tempo atrás, soava impensável. Hoje, é apenas uma questão de tempo.