A ONG Human Rights Watch (HRW) acusa as duas partes que protagonizam o conflito civil no Sudão de uma série de atrocidades, quais sejam tortura de pessoas sob custódia, execuções sumárias e mutilação de cadáveres. Muitos dos abusos foram registrados em vídeo por seus autores, sinal de que apostam na impunidade.
O conflito opõe as Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês), um grupo paramilitar liderado pelo general Mohammed Hamdan “Hemedti” Daglo, às Forças Armadas Sudanesas (SAF, na sigla em inglês), comandadas pelo general Abdel Fattah al-Burhan.
“As forças das partes beligerantes do Sudão se sentem tão imunes à punição que repetidamente se filmaram executando, torturando e desumanizando detentos, e mutilando corpos”, disse Mohamed Osman, pesquisador do Sudão na HRW. “Esses crimes devem ser investigados como crimes de guerra e os responsáveis, incluindo os comandantes dessas forças, devem ser responsabilizados.”
A ONG diz que baseou suas alegações em análises de vídeos e fotos e em relatos feitos através das redes sociais. As evidências foram coletadas entre 24 de agosto de 2023 e 11 de julho de 2024 e indicam que ao menos 40 pessoas foram sumariamente executadas desde que o conflito teve início, em abril de 2023.
Segundo os autores do relatório, oito vídeos e um foto mostram quatro episódios de execuções sumárias, enquanto outras quatro filmagens registram cenas de tortura e maus-tratos contra 18 pessoas. Ao menos oito cadáveres são mutilados nas imagens.
Enquanto muitos dos autores das atrocidades vestem uniformes militares, um indício de que integram os grupos em conflito, algumas das vítimas aparentam ser civis.
Além dos abusos confirmados, a HRW diz que registrou mais 20 casos que parecem mostrar violações semelhantes por ambas as partes, mas estes ainda carecem de uma investigação. Tanto as RSF quanto as SAF foram questionadas por e-mail, mas nenhuma das duas facções respondeu.
“As partes beligerantes do Sudão demonstraram um desrespeito chocante pela vida e dignidade humanas”, disse Osman. “Os comandantes precisam ser responsabilizados por não terem prevenido ou punido esses crimes.”
Por que isso importa?
O Sudão vive um violento conflito civil que coloca frente a frente dois generais que comandam o país africano desde o golpe de Estado de 2021: Abdel Fattah al-Burhan, chefe das SAF, e Mohamed Hamdan “Hemedti” Daglo, à frente da milícia das RSF.
As tensões decorrem de divergências sobre a incorporação dos combatentes das RSF às Forças Armadas, o que levou a milícia a se insurgir. Hemedti tem entre 70 mil e cem mil homens sob seu comando, de acordo com a rede Deutsche Welle (DW), enquanto al-Burhan lidera um efetivo de cerca de 200 mil.
No dia 16 de abril, um domingo, explosões puderam ser ouvidas no centro da capital Cartum, mais precisamente no entorno do quartel-general militar do Sudão e do palácio presidencial, locais estratégicos reivindicados tanto por militares quanto pelas RSF.
O aeroporto internacional da capital, tomado pela milícia, foi bombardeado com civis dentro. Aeronaves foram destruídas, e caças da força aérea sudanesa e tanques foram usados contra os paramilitares.
Embora as SAF sejam mais bem equipadas e em maior número, as RSF são igualmente bem treinadas, o que equilibra as ações. O balanço de forças apenas prolonga as hostilidades e a violência decorrente, com nenhum dos dois lados conseguindo se impor sobre o inimigo.
Desde que o conflito se espalhou, primeiro pela capital, depois por outras regiões, cerca de dez milhões de pessoas foram deslocadas dentro do país, com mais de dois milhões forçadas a cruzar as fronteiras para o exterior. A crise maciça deixou 25 milhões de pessoas necessitando de ajuda humanitária e proteção.
A terrível situação é agravada por uma grave escassez de suprimentos essenciais, já que as entregas de produtos comerciais e de ajuda humanitária foram fortemente restringidas pelos combates e pelos desafios de acesso ao território controlado pelas RSF.