Milhares de manifestantes tomaram as ruas de Maputo, capital moçambicana, na quinta-feira (7), em um dos maiores protestos registrados desde o início das tensões pós-eleitorais no país. A polícia respondeu com gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar a multidão, intensificando a crise política que já dura semanas no sul da África. As informações são da Associated Press.
A onda de manifestações teve início após as eleições presidenciais realizadas em 9 de outubro, que garantiram a permanência do partido governista no poder, posição que ocupa há mais de meio século. No entanto, as acusações de fraude eleitoral por parte da oposição e de amplos setores da sociedade civil alimentaram a insatisfação popular. Os resultados oficiais foram amplamente contestados, com alegações de irregularidades que comprometem a legitimidade do pleito.
Desde então, a capital, Maputo, e outras cidades têm sido palco de protestos diários, que frequentemente terminam em confrontos violentos com as forças de segurança. O ato da quinta-feira foi o maior registrado até o momento, com milhares de manifestantes exigindo novas eleições e o fim da repressão policial.
Grupos de direitos humanos internacionais denunciaram o uso excessivo da força por parte das autoridades, relatando que pelo menos 20 pessoas foram mortas pela polícia desde o início da crise. Organizações locais, no entanto, afirmam que o número de mortos ultrapassa 50, destacando a gravidade da situação.
A escalada da violência levou as autoridades a considerarem o uso das Forças Armadas para conter os protestos. Nas últimas semanas, foram registrados episódios de vandalismo, com manifestantes incendiando ruas e atacando sedes do partido governista em resposta ao que consideram uma fraude eleitoral.
Com a situação se deteriorando rapidamente, líderes da oposição apelam para a intervenção da comunidade internacional, enquanto o governo insiste que as eleições foram justas e legítimas. A crescente instabilidade ameaça mergulhar Moçambique em uma crise prolongada, à medida que a pressão popular por mudanças ganha força nas ruas.
De acordo com a ONG Human Rights Watch, o acesso à internet está sendo limitado e plataformas de mídia social foram bloqueadas em Moçambique. Em resposta à situação, a África do Sul, país vizinho, decidiu fechar seu posto fronteiriço com Moçambique e reforçou a segurança na região.
No dia 19 de outubro, dois líderes proeminentes da oposição, Elvino Dias e Paulo Guambe, foram assassinados a tiros em Maputo, relatou a Anistia Internacional. Poucos dias depois, em 21 de outubro, a polícia dispersou com violência uma coletiva de imprensa e protestos organizados por Venâncio Mondlane nas proximidades do local dos homicídios.
Já em 24 de outubro, a autoridade eleitoral nacional anunciou a vitória de Daniel Chapo, da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), sobre Venâncio Mondlane nas eleições presidenciais. Em resposta, Mondlane convocou uma greve nacional de dois dias, marcada para os dias 24 e 25 de outubro, mas a ação foi prontamente reprimida pela polícia.
Entenda o caso
Chapo foi declarado vencedor das eleições presidenciais e assegurou mais cinco anos de mandato ao partido que governa o país desde sua independência de Portugal, em 1975. A vitória de Chapo reforça a hegemonia da Frelimo, que há quase cinco décadas se mantém no poder em Moçambique, um país com aproximadamente 34 milhões de habitantes.
A vitória, no entanto, foi imediatamente contestada por partidos de oposição, que acusaram a Frelimo de fraudes generalizadas. Entre as principais denúncias estão alegações de enchimento de urnas, manipulação das listas de eleitores e nomeação de funcionários eleitorais leais ao partido governista nos centros de votação. As acusações não são novidade para a Frelimo, que já enfrentou reclamações similares em eleições passadas, colocando em xeque a transparência do processo democrático no país.
Uma missão de observadores internacionais da União Europeia (UE), que acompanhou o pleito, relatou irregularidades significativas, incluindo manipulação dos resultados em algumas regiões. Os observadores destacaram a falta de transparência e a pressão sobre os eleitores em áreas controladas pela Frelimo, levantando dúvidas sobre a legitimidade do resultado anunciado.
A imprensa local noticiou que o Conselho Constitucional, a entidade responsável por garantir o cumprimento das leis eleitorais, solicitou à Comissão Eleitoral Nacional explicações sobre as discrepâncias identificadas. Em resposta, a Comissão afirmou que está analisando os relatórios e prometeu investigar as supostas irregularidades, mas ainda não forneceu um prazo para a conclusão dessas averiguações.
O líder da oposição, que não foi identificado, convocou protestos pacíficos nas principais cidades do país, exigindo um recálculo dos votos e uma auditoria independente. “Não podemos aceitar que nossa democracia seja sequestrada”, declarou em um comício realizado em Maputo, onde centenas de apoiadores foram às ruas para expressar sua insatisfação.
Analistas observam que, caso as denúncias sejam confirmadas, o governo de Daniel Chapo poderá enfrentar dificuldades não apenas internas, mas também pressões externas, incluindo possíveis sanções internacionais que podem impactar a economia moçambicana. A comunidade internacional, especialmente países da União Europeia e organizações de direitos humanos, têm monitorado de perto a situação, exigindo um esclarecimento rápido das autoridades locais para garantir que a vontade do povo moçambicano seja respeitada.
No dia 29 de outubro, associações médicas divulgaram que pelo menos dez pessoas perderam a vida durante os protestos. Tanto a sociedade civil quanto a imprensa reportaram que o número de vítimas fatais aumentou devido à violência policial ao longo de uma semana de manifestações, iniciada em 31 de outubro por convocação de Venâncio Mondlane e que está prevista para culminar em Maputo no dia 7 de novembro.
Moçambique possui um histórico marcado por violações de direitos humanos em períodos eleitorais conturbados, incluindo episódios semelhantes ocorridos no ano passado.
“As últimas duas semanas em Moçambique foram um trágico exemplo de violência desnecessária e evitável”, disse Khanyo Farise, diretor adjunto da Anistia Internacional para a África Oriental e Austral.