Somália vem se tornando um importante foco dos EUA no combate ao terrorismo

Al-Shabaab ainda é o principal ator no cenário de segurança somali, mas o Estado Islâmico vem ganhando força no país

O governo norte-americano é um importante parceiro da Somália no combate ao terrorismo no país africano, que sofre com a atuação de grupos ligados ao Estado Islâmico (EI) e à Al-Qaeda. Em Washington, a aliança se justifica pelo temor de que essas organizações se fortaleçam a ponto de conseguir agir no exterior, mais especificamente no território norte-americano.

Diante de tal cenário, segundo a rede Voice of America (VOA), os EUA pretendem ampliar sua atuação na Somália, também um importante centro da política norte-americana mais ampla de contraterrorismo em todo o continente africano.

Embora o Al-Shabaab seja a facção que merece mais atenção no país, um novo grupo vem surgindo como ameaça à segurança regional: o ainda pequeno Estado Islâmico-Somália (EI-S), que tem entre 100 e 400 combatentes, mas já merece atenção de sua matriz do Iraque e da Síria.

Segundo uma autoridade do setor de defesa dos EUA, os líderes do EI “enxergam a África como um lugar onde devem investir, onde têm mais liberdade e são capazes de operar melhor e mais livremente.” Há quem diga que isso teria levado Abu Hafs al-Hashimi al-Qurashi, líder geral do EI, a viajar para a Somália.

O presidente da Somália, Hassan Sheikh Mohamud (esquerda), e o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, junho de 2023 (Foto: Alexander Kubitza/defense.gov)

“O califa fornece uma orientação estratégica, que consideramos permitir ao grupo se desenvolver e se expandir ainda mais do que esperaríamos”, disse a fonte, que falou sob condição de anonimato por tratar de questões de inteligência.

Tal informação, entretanto, é questionada por muitos especialistas, que citam os desafios que o EI teria para levar sua figura central desde o Oriente Médio até a África. Também sugerem que não há motivação forte o bastante para que Abu Hafs al-Hashimi al-Qurashi fizesse trajeto tão arriscado.

“Minha pergunta seria: para que fim? Que tipo de infraestrutura existe na qual essa pessoa poderia se encaixar e ainda ser relevante”, disse Colin Clarke, diretor de investigação da empresa de inteligência global The Soufan Group. “Não é como se a Somália fosse um lugar onde você está livre de ações antiterroristas. Não está fora do alcance da comunidade de inteligência dos EUA.”

Na cooperação com as forças de segurança somalis, os EUA frequentemente realizam ataques aéreos contra instalações usadas pelos grupos extremistas locais. Uma dessas operações, realizada no dia 31 de maio, teve como alvo o principal líder do EI-S, Abdulqadir Mumin. Três insurgentes teriam sido mortos, mas não está claro se o chefe do grupo é uma das vítimas.

Em fevereiro deste ano, a embaixada dos EUA na Somália anunciou a assinatura de um memorando de entendimento “para a construção de infraestruturas para treinar e alojar a brigada de infantaria avançada ‘Danab’, de três mil homens, treinada pelos EUA.” Trata-se de um destacamento de elite dentro das Forças Armadas somalis, central na política do país de combate ao extremismo.

Por que isso importa?

Embora as ações antiterrorismo globais tenham enfraquecido os dois principais grupos jihadistas do mundo, EI e Al-Qaeda, ambos conseguem se manter relevantes e atuantes. A estratégia dessas duas organizações inclui o recrutamento de novos seguidores através da internet e a forte presença em zonas de conflito como a África, onde são representadas por grupos afiliados regionais. O Afeganistão, agora sob o comando do Taleban, também é um porto seguro para muitos jihadistas.

O continente africano ganhou importância em meio às derrotas impostas às grandes organizações jihadistas em outras regiões, caso do Oriente Médio. Em 2017, o exército iraquiano anunciou a queda do EI no Iraque, com a retomada de todos os territórios que o grupo dominava desde 2014. O EI, que chegou a controlar um terço do país, hoje mantém por lá apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas do grupo na Síria.

Em fevereiro de 2022, o EI sofreu um duro golpe quando o exército norte-americano anunciou ter matado Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurashi, líder da facção. Em outubro, o próprio grupo revelou que Abu al-Hassan al-Hashimi al-Qurashi, sucessor de Abu Ibrahim, também foi morto. Um terceiro líder do grupo, Abu al-Hussein al-Husseini al-Qurashi, foi morto em abril de 2023.

No caso da Al-Qaeda, que igualmente mantém facções relevantes na África, a sobrevivência do grupo pode ser explicada também pela tomada de poder pelo Taleban no Afeganistão. “As avaliações dos Estados-Membros até agora sugerem que a Al-Qaeda tem um porto seguro sob o Taleban e maior liberdade de ação”, diz relatório da ONU divulgado no final de maio de 2023.

“A Al-Qaeda permanece no sul e leste do Afeganistão, onde tem uma presença histórica”, diz o relatório. “O grupo supostamente tem de 180 a 400 combatentes, com as estimativas dos Estados-Membros inclinando-se para o número mais baixo”, prossegue o documento, que cita cidadãos de Bangladesh, Índia, Mianmar e Paquistão como a base da facção.

O ex-líder da organização Ayman al-Zawahri, inclusive, foi morto em território afegão em um ataque das forças armadas dos EUA no dia 1º de agosto de 2022.

Anteriormente, a ONU já havia lembrado que a Al-Qaeda chegou a parabenizar publicamente os talibãs pela ascensão ao poder. E alegou que um filho de Bin Laden, Abdallah, visitou o Afeganistão em outubro de 2021 para reuniões com o Taleban.

Terrorismo no Brasil

Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas e é, também, um possível alvo de ataques. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao EI foram presos e dois fugiram.

Mais tarde, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles foram acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

A ameaça voltou a ser evidenciada com a prisão, em outubro de 2023, de três indivíduos supostamente ligados ao Hezbollah que operavam no Brasil. Eles atuavam com a divulgação de propaganda do grupo extremista e planejavam atentados contra entidades judaicas.

Para o tenente-coronel do exército brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), tais episódios causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras).

A opinião é compartilhada por Barbara Krysttal, gestora de políticas públicas e analista de inteligência antiterrorismo.

“O Brasil recorrentemente, nos últimos dez, cinco anos, tem tido um aumento significativo de grupos terroristas assediando jovens e cooptando adultos jovens para fazer parte de ações terroristas no mundo todo”, disse ela, que também vê o país sob ameaça de atentados. “Sim, é um polo que tem possibilidade de ser alvo de ações terroristas.”

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