Vítimas do Boko Haram sofreram abusos também do governo da Nigéria, aponta relatório

Libertadas do cativeiro, meninas e mulheres teriam sido ilegalmente detidas e até forçadas a se reunir com seus raptores

Mulheres e meninas que foram sequestradas pelo grupo extremista Boko Haram, da Nigéria, não encontraram a paz após serem libertadas. Um relatório da ONG Anistia Internacional aponta que muitas delas foram vítimas de abusos também do governo local, em vez de receberem apoio para superar os traumas do cárcere.

Segundo o documento, aquelas que conseguiram escapar do grupo, que é uma facção da Al-Qaeda, “enfrentaram ainda mais sofrimento” posteriormente, atingidas por “detenções militares ilegais e sem direito ao apoio adequado por parte das autoridades nigerianas conforme tentavam reconstruir suas vidas após sequestros traumáticos.”

As vítimas que não foram ilegalmente detidas pelas Forças Armadas nigerianas foram simplesmente abandonadas, ou então colocadas em campos de deslocados onde milhões de pessoas dependem de ajuda humanitária para sobreviver. Em casos extremos, foram entregues novamente aos raptores com quem haviam sido obrigadas a se casar no cativeiro.

Jovem em sua nova casa em Gwoza, Nigéria, após fugir dos ataques do Boko Haram no estado de Borno, em maio de 2019 (Foto: Unicef/Marko Kokic)

“Estas meninas, muitas delas agora mulheres jovens, tiveram a infância roubada e sofreram uma litania de crimes de guerra, crimes contra a humanidade e outras violações dos direitos humanos. Estão agora demonstrando uma coragem notável ao tentar assumir o controle do seu futuro”, afirmou Samira Daoud, diretora regional da Anistia para a África Ocidental e Central.

O relatório do qual consta a denúncia se baseia em 126 entrevistas, incluindo conversas com 82 sobreviventes, realizadas pessoalmente no nordeste da Nigéria e remotamente, entre 2019 e 2024. 

Muitas das vítimas foram raptadas ainda na infância, algumas delas presenciando o assassinato de familiares pelo grupo extremista. A maioria foi forçada a se casar com os algozes, “sendo obrigadas a servir a seus ‘maridos’ na escravidão sexual e na servidão doméstica”, diz o relatório.

Ao menos 33 sobreviventes dizem ter sido estupradas, e uma delas afirma ter concordado com o casamento para evitar a morte do pai. Quando se recusou a manter relações sexuais com o homem, passou a ser frequentemente violentada.

Questionado sobre o tratamento desumano destinado às vítimas após a libertação, o governo nigeriano negou as acusações, afirmando que “defende os direitos humanos nas suas operações” e que as mulheres ouvidas pela Anistia Internacional na elaboração do relatório são “fontes intrinsecamente não confiáveis.”

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