A expansão do BRICS pode ser uma má ideia. Aqui está o porquê

De acordo com artigo de opinião, novas adesões poderiam deixar o bloco de países incoerente e mais fraco ao invés de mais forte

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site da agência Al Jazeera

Por Ahmadi Ali

Enquanto os líderes de BrasilRússiaÍndiaChina e África do Sul se reúnem para a cúpula anual do BRICS, iniciada na terça-feira (22), não há dúvida de que o grupo assumiu uma nova importância em meio à intensificação da competição entre as grandes potências.

A invasão da Ucrânia pela Rússia e a campanha de sanções cada vez mais agressiva do Ocidente contra a Rússia e a China servem como o contexto no qual a comunidade diplomática global observa o conclave em Joanesburgo.

De fato, a guerra na Ucrânia já lançou sua sombra sobre o encontro. O presidente russo, Vladimir Putin, compareceu apenas virtualmente para evitar qualquer constrangimento à África do Sul: a nação africana é membro do Tribunal Penal Internacional (TPI), que emitiu um mandado de prisão contra Putin por acusações relacionadas ao conflito, e seria legalmente obrigada a levar o russo em custódia se ele visitasse o país.

No entanto, com a possibilidade de qualquer drama agora descartada, mais dois desenvolvimentos substantivos e inter-relacionados ocuparão o centro do palco na cúpula.

China e Rússia manifestaram interesse em expandir o grupo em um esforço para dar-lhe maior peso nas relações internacionais. Mais de 40 países manifestaram interesse em ingressar no grupo BRICS, com 22 solicitando formalmente a adesão. Isso inclui aliados árabes dos Estados Unidos, como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Egito, e rivais como o Irã. A lista também inclui países da África, América do Sul e Ásia.

Representantes dos países do BRICS em Joanesburgo: ampliação à vista (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

A segunda questão é a desdolarização. A China e a Rússia parecem decididas a utilizar um fórum mais amplo dos BRICS como ponto focal dos seus esforços para reduzir a sua dependência – e a da economia global – da moeda dos EUA que tem dominado a faturação e os pagamentos transfronteiriços desde a Segunda Guerra Mundial. Beijing e Moscou já realizam a maior parte do seu comércio em moedas locais, especialmente o Yuan Chinês. A Rússia defendeu uma nova moeda dos BRICS, talvez apoiada em ouro, que seria usada como meio de troca internacional entre os membros, em vez do dólar.

Para a Rússia e a China, a desdolarização assumiu uma nova importância, pois estão cada vez mais sob sanções do Ocidente. O medo de como a política econômica americana e ocidental pode prejudicar suas economias e limitar sua autonomia de segurança nacional é uma questão importante de debate em Moscou e Beijing.

Mas enquanto a África do Sul, o Brasil e a Índia têm melhores relações com o Ocidente, eles também veem uma menor dependência do dólar como algo positivo para seu crescimento econômico e potencial comercial. O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva,  afirmou recentemente que “toda noite eu me pergunto por que todos os países têm que basear seu comércio no dólar.”

Para eles, a desdolarização é menos sobre derrubar o dólar do topo da hierarquia das moedas de reserva e mais sobre criar um método separado para transações entre os Estados-Membros sem a necessidade do dólar, do sistema SWIFT baseado no Ocidente e dos serviços de bancos de Nova York. Dito isto, o BRICS na sua forma atual já representa 26% do produto interno bruto (PIB) global e 16% do comércio global. Portanto, um esforço bem-sucedido nesse sentido provavelmente terá efeitos em cascata.

Há muito pouco conhecido sobre o plano para chegar a conclusões definitivas. O histórico do BRICS na desdolarização tem sido misto. A China e a Rússia reduziram com sucesso sua dependência do dólar para o comércio transfronteiriço. Por outro lado, o Novo Banco de Desenvolvimento, criado pelos BRICS em grande parte para facilitar a desdolarização dos empréstimos estatais, é amplamente dependente do dólar e agora está lutando para levantar essa moeda por ter a Rússia como membro fundador. Seu diretor financeiro reconheceu recentemente que “você não pode sair do universo do dólar e operar em um universo paralelo”.

A atual hegemonia do dólar é apoiada por um intenso efeito de rede e um fator de conveniência. A estabilidade do dólar e os mercados profundos denominados em dólares permitem previsibilidade, facilidade de uso e transações internacionais mais baixas. Uma nova moeda do BRICS pode abordar alguns desses desafios, mas certamente não todos. Há também um desequilíbrio significativo na determinação em relação à desdolarização dentro do grupo. Enquanto países sancionados como Rússia e China, bem como possíveis membros como o Irã, estão ansiosos para destituir os EUA de sua capacidade de impor sanções financeiras caras, outros estarão menos inclinados a arcar com o custo de tal transição.

Como a Organização de Cooperação de Xangai (SCO, na sigla em inglês) – que também inclui China, Rússia e Índia entre seus membros –, uma questão-chave que prejudica o impacto político do BRICS como um bloco é a natureza complexa das relações entre suas nações e suas diferentes abordagens em relação ao Ocidente.

Embora todos não gostem de ser chamados a cumprir as sanções ocidentais, muitos deles têm fortes relações com os países ocidentais que não desejam prejudicar. A Índia e a China são rivais estratégicos que não concordam em muitas questões. Durante a cúpula da SCO no mês passado, a Índia  se recusou a assinar  um documento econômico importante porque incluía referências em linguagem diplomática chinesa à Iniciativa de Desenvolvimento Global de Beijing.

A Índia alinhou-se amplamente com os interesses ocidentais contra a China. A disponibilidade de apoio econômico ocidental e acesso à tecnologia aumentou significativamente, e as relações entre Índia e Ocidente estão passando por uma nova era. Isso traz benefícios econômicos significativos para a Índia, o que torna o primeiro-ministro Narendra Modi muito sensível em ser visto como um contrapeso ao G7.

O Brasil está sendo liderado por um presidente de esquerda, preocupado em alienar Washington como parceiro de negócios e ciente de como os EUA tendem a assumir uma postura agressiva contra líderes sul-americanos que questionam sua hegemonia na região.

A África do Sul está preocupada com o fato de o aumento da adesão ao BRICS reduzir ainda mais a sua influência no bloco. Autoridades em Pretória já estão preocupadas com o fato de outros países do BRICS serem muito mais influentes no grupo, já que seu progresso econômico e social estagnou nos últimos anos. A África do Sul também está muito preocupada em ter que tomar partido na emergente nova Guerra Fria entre os EUA e a China – embora esteja sob uma pressão interna significativa para se alinhar com o Ocidente.

Isso é o que alimentou as demandas de Índia, Brasil e África do Sul por regras mais rígidas para determinar se um aspirante a membro deve ter permissão para ingressar ou até mesmo se tornar um observador. A Índia, em particular, tem argumentado que as democracias devem ser o foco das considerações de adesão.

Tais diferenças minaram também o trabalho de outras grandes organizações de equilíbrio global, como a Organização da Cooperação Islâmica, o G77 e o Movimento dos Não-Alinhados.

A ascensão de vários outros países, como a Argentina, a Arábia Saudita e a Nigéria, com as suas próprias preferências complexas de política externa, não seria vista com bons olhos por Washington. Mas um BRICS em rápida expansão não será necessariamente mais poderoso. Na verdade, poderia tornar a organização mais incoerente e incapaz de chegar a um consenso claro sobre qualquer coisa importante.

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