China boicota reunião do G20 organizada pela Índia na disputada região da Caxemira

Nova Délhi defendeu sua decisão de sediar uma reunião do G20 no território de Jammu e Caxemira, no Himalaia, apesar das críticas de grupos de direitos humanos e dos esperados boicotes de alguns países

A Índia optou por sediar uma reunião do G20 em Jammu e Caxemira, apesar das críticas e possíveis boicotes. A capital de verão da região, Srinagar, será sede de um encontro com foco em turismo para os membros do G20, apresentado pelo governo indiano como uma oportunidade para exibir a cultura local. Beijing não gostou da ideia. As informações são da rede CNN.

Essa será a primeira vez que um evento internacional dessa magnitude ocorre na disputada região de maioria muçulmana desde a revogação de seu status especial e a divisão em dois territórios federais pela Índia em 2019, com Ladakh se tornando um território autônomo separado.

Ladakh é uma região montanhosa localizada no noroeste da Índia, na fronteira com a China. A disputa por lá remete ao conflito territorial entre a Nova Délhi e Beijing sobre a demarcação da fronteira na região. Ambos os países reivindicam parte do território como sendo de sua soberania. As tensões aumentaram em 2020, quando ocorreram confrontos violentos entre as tropas indianas e chinesas ao longo da Linha de Controle Real (LAC), resultando em baixas de ambos os lados.

Tanque das forças indianas na região de Ladakh, alvo de disputa entre Índia e China (Foto: WikiCommons)

Na sexta-feira (19), a China anunciou que não participará da reunião do G20, citando sua oposição à realização de qualquer encontro desse tipo em território disputado. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Wang Wenbin, expressou a posição oficial do governo chinês. Esperava-se que outros países, incluindo a Arábia Saudita, o Egito e a Turquia, boicotassem o evento.

A Caxemira é um dos pontos de conflito mais perigosos e também uma das zonas mais militarizadas do mundo, desde que uma rebelião eclodiu por lá em 1989. De maioria muçulmana, a Caxemira é disputada por Índia e Paquistão desde que Nova Délhi e Islamabad conquistaram a independência do Reino Unido e se separaram em dois países, em 1947. Desde então, as nações já travaram duas guerras pelo território.

A Índia justificou a revogação da semi-autonomia de Caxemira como uma medida para garantir igualdade perante a lei a todos os cidadãos e promover o desenvolvimento econômico na região. Também mencionou o objetivo de combater o separatismo e o terrorismo, que alega ter sido apoiado e incentivado pelo Paquistão.

No sábado (20), o secretário de turismo da Índia, Arvind Singh, afirmou que a realização da reunião não apenas destacará o potencial turístico de Caxemira, mas também enviará uma mensagem global de restauração da estabilidade e normalidade na região.

No mês passado, o Paquistão, que não faz parte do G20, criticou a decisão da Índia de sediar a reunião de turismo em Caxemira, descrevendo-a como uma ação “irresponsável”.

Na semana passada, Fernand de Varennes, Relator Especial das Nações Unidas para Assuntos de Minorias, afirmou que o governo indiano estava tentando normalizar o que alguns consideram uma operação militar ao instrumentalizar uma reunião do G20, em uma região onde o temor de violações dos direitos humanos e violência é abundante.

A missão permanente da Índia em Genebra emitiu uma declaração no Twitter rejeitando as críticas de Varennes, descrevendo as alegações como “infundadas e injustificadas”.

A Índia, uma democracia com uma população de mais de 1,4 bilhão de pessoas, tem assumido o papel de liderança entre as nações emergentes e em desenvolvimento desde que assumiu a presidência do G20.

No início deste mês, a Índia enfatizou que a reunião do G20 em Srinagar tem como objetivo fortalecer o crescimento econômico, preservar o patrimônio cultural e promover o desenvolvimento sustentável na região.

Por que isso importa?

O conflito fronteiriço entre os dois países começou com a guerra entre a China e a Índia em 1962. Então, no final dos anos 1980, o primeiro-ministro indiano à época, Rajiv Gandhi, buscou reestabelecer os laços com Beijing.

Dali em diante, a fronteira se manteve calma, com os dois países concordando em adotar diretrizes de administração da região. Em 1993, um acordo de paz foi assinado, e outras medidas de confiança foram firmadas em 1996 e 2006.

Entretanto, com os anos, as tensões ressurgiram após ações das autoridades indianas, como o apoio ao Tibete, os crescentes laços de defesas com EUAJapão e Austrália e restrições ao investimento chinês na Índia. No sentido oposto, as relações mais estreitas da China com o Paquistão, que tem disputas de longa data com a Índia, como a questão da Caxemira, e com o Nepal desagradaram Nova Délhi.

A relação atingiu seu pior momento em  abril de 2020, quando soldados rivais se envolveram em combates em vários pontos da área montanhosa que divide os dois países. O problema começou com uma troca de acusações sobre desrespeito à Linha de Controle Real.

Então, em 15 de junho de 2020, a paz foi definitivamente quebrada e houve confronto entre soldados indianos e chineses em Ladakh. Na ocasião, 20 soldados indianos e quatro chineses morreram em combates corporais entre as tropas das duas nações. O confronto envolveu basicamente paus e pedras, sem nenhum tiro ter sido disparado.

Desde então, milhares de soldados estavam posicionados dos dois lados da fronteira, e obras com fins militares tornaram-se habituais na região. As nações reivindicam vastas áreas do território alheio no Himalaia, problema que vem desde a demarcação de áreas pelos governantes coloniais britânicos.

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