O custo da guerra: a economia russa enfrenta uma década de regressão

Artigo lista as condições necessárias para que Moscou consiga controlar a crise. Mas ressalta que o governo tem falhado nessa missão

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no think tank Carnegie Endowment for International Peace

Por Alexandra Prokopenko

Nove meses após a invasão da Ucrânia pela Rússia, a economia russa está indo melhor do que o esperado. O colapso previsto foi evitado e a queda prevista de 8% a 10% no PIB (produto interno bruto) para o ano foi reduzida para uma queda de 3% a 4%.

Mesmo assim, antes da guerra, previa-se um crescimento de 3%. A recuperação só deve começar em 2024, na melhor das hipóteses, e apenas no caso improvável de os fatores externos não piorarem significativamente. A Rússia parece prestes a ver mais uma década perdida, com uma década de estagnação seguida por uma década de regressão.

O governo russo e o banco central suavizaram o golpe econômico da guerra contra a Ucrânia e as sanções que se seguiram a ela, principalmente por meio de políticas fiscais conservadoras dos últimos anos, como equilibrar consistentemente o orçamento com um preço do petróleo de US$ 45 por barril e manter os gastos sob controle, mesmo à custa do crescimento econômico.

Além disso, foram feitos preparativos para sanções. Empresas estatais e grandes bancos realizaram testes de estresse, incluindo cenários em que a Rússia foi desconectada do SWIFT, o Ocidente deixou de fornecer certas tecnologias e as contas de correspondentes foram bloqueadas, embora outras medidas, como o congelamento de reservas de ouro e moeda, não tenham sido modeladas.

Devido à tradicional relutância em relatar problemas, os relatórios apresentados às autoridades russas foram todos bastante otimistas. A sanção mais grave esperada era um embargo de TI e microchip: algo que não teria efeito imediato na maioria dos setores.

Graças a esses preparativos, o efeito das sanções mostrou-se mais fraco do que o previsto no curto prazo, mas também foi mais prolongado. O orçamento, impulsionado nos primeiros meses pelas receitas de petróleo e gás, começou a encolher. As receitas não petrolíferas e de gás caíram 20% em outubro em termos anuais, e quase todo o crescimento das receitas de petróleo e gás veio do aumento do imposto de extração mineral da Gazprom.

Notas e moedas de rublos russos (Foto: Dmitry Sidorov/Pexels)

A queda na produção industrial nos primeiros dez meses deste ano acabou sendo relativamente pequena, de 0,1%. Isso, no entanto, se deve em grande parte ao aumento dos gastos militares, que proporcionaram crescimento em setores como vestuário e produtos de metal (incluindo tanques e mísseis), mascarando uma queda em setores civis, como a produção de automóveis (que caiu quase pela metade), processamento de madeira e construção de máquinas.

A recessão provavelmente continuará porque a indústria russa – até mesmo o setor militar – é altamente dependente da importação de produtos de alta tecnologia, predominantemente do Ocidente. As importações de tecnologia de todos os países caíram, com exceção da Turquia. Um colapso dessas importações reduzirá a produção e a tornará mais primitiva, um processo que já está em andamento. A substituição de importações já é obrigatória em quase todos os setores, mas em decorrência das sanções é regressiva, com a substituição de componentes desgastados por opções menos avançadas.

A saída voluntária de muitas empresas ocidentais e a interrupção total do comércio de commodities energéticas com a Europa, juntamente com a ausência de alternativas equivalentes, continuarão a atrasar a economia russa, que também pode contar com pouco apoio interno.

Em meio ao clima de incerteza, o investimento corre o risco de ser cortado. Os negócios privados já limitavam o investimento devido ao clima de negócios desfavorável. Agora, a guerra e as sanções o mataram completamente. Mesmo a empresa mais pró-estatal não investirá em um país em guerra, onde a empresa pode, a qualquer momento, ser forçada a contribuir para o esforço de guerra por meio de novos impostos ou mesmo diretamente.

O investimento em larga escala por parte do Estado também é problemático. A julgar pelo orçamento trienal aprovado, a prioridade do governo é sem dúvida o financiamento da guerra. As principais áreas de despesa do orçamento são os setores de segurança, que representarão quase um terço de todas as despesas (9,3 trilhões de rublos) em 2023. As despesas com a economia, ao contrário, estão sendo reduzidas de 4,5 trilhões de rublos em 2022 para 3,5 trilhões em 2023.

O volume total de despesas permanecerá efetivamente inalterado (29 trilhões de rublos) em termos nominais, o que significa uma redução notável em termos reais. Os gastos com necessidades militares, no entanto, são protegidos de qualquer queda na renda. Portanto, são os gastos com o desenvolvimento da economia e a expansão dos programas sociais que serão reduzidos se cortes forem necessários.

O governo simplesmente não pode ter o clima de investimentos como uma de suas prioridades: ele está focado nas necessidades do exército. Já foram mobilizadas 300 mil pessoas entre 22 e 50 anos, baixando o PIB em 0,5%, e pode haver mais ondas de mobilização pela frente.

É mais difícil calcular as perdas de longo prazo do grande número de pessoas que deixaram a Rússia desde o início da guerra, que é estimado em 500 mil a um milhão. A escassez de pessoal qualificado resultante da fuga de cérebros pressionará o mercado de trabalho, elevando os salários mais rapidamente do que a produtividade e levando a riscos inflacionários.

Grandes dificuldades surgem da reorientação da produção russa para novos mercados. A capacidade de produção da infraestrutura que liga a Rússia ao Oriente é limitada: as capacidades portuárias, ferroviárias e de oleodutos já estão sobrecarregadas e a criação de nova capacidade requer recursos e tecnologia. Enquanto isso, a infraestrutura que atendia o comércio com a Europa permanece ociosa como resultado das sanções.

O fornecimento de mercadorias não sancionadas, mesmo para Estados amigos, está sendo impedido pela recusa das empresas internacionais de transporte de contêineres em trabalhar com a Rússia. Os problemas surgem não apenas na entrega das mercadorias, mas também no pagamento ou recebimento de pagamento por elas. As transações em euros e dólares podem ser bloqueadas ou demoradas. Mesmo em “países amigos”, os bancos se recusam a abrir contas para empresas russas e contas correspondentes para bancos russos.

A Rússia também está sob pressão para fazer concessões e oferecer descontos em seus produtos para aqueles que ainda estão dispostos a comprá-los: no momento, a Rússia precisa mais desses mercados do que eles precisam da Rússia. Voltar-se ao mercado doméstico pode fornecer apenas suporte parcial à manufatura, já que ele é simplesmente muito pequeno.

O Estado não tem conseguido ajudar os negócios com soluções sistêmicas, apenas adotando medidas direcionadas, como permitir pagamentos em dinheiro em operações de comércio exterior para evitar o uso de dólares e euros.

As empresas russas estão encontrando suas próprias maneiras de se adaptar às novas condições. Se o governo continuar resistindo à tentação de se curvar a um plano estatal com restrições rígidas sobre quem fornece o quê para quem, a economia russa provavelmente sobreviverá e o período de adaptação terminará por volta de setembro de 2023.

O potencial pré-guerra da economia russa não era muito grande, com crescimento de 2% a 3% ao ano. A guerra contra a Ucrânia e as restrições externas o reduziram para cerca de 1%. Por enquanto, o desenvolvimento da economia será revertido e levará de três a cinco anos para que esse declínio seja interrompido.

O governo e o presidente Vladimir Putin gostam de repetir que a Rússia já tem tudo de que precisa para se desenvolver. Mas uma transição para o crescimento baseado em recursos internos exigiria o fim da guerra na Ucrânia. Também precisaria de menos imprevisibilidade geral, maior concorrência, descriminalização de infrações econômicas e salvaguardas efetivas para os direitos de propriedade. As autoridades russas e o presidente sempre falharam em fornecer essas condições.

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