Brasil está na mira de terroristas e precisa de novas ações para enfrentar o problema, dizem especialistas

Grupos extremistas enxergam o país como um possível alvo e um interessante campo de recrutamento de novos seguidores

A recente prisão de indivíduos supostamente ligados ao grupo radical libanês Hezbollah que operavam no Brasil trouxe à tona um problema que por vezes passa despercebido: a atividade de organizações extremistas islâmicas no país. Não se trata de um fenômeno recente, mas especialistas ouvidos pela reportagem de A Referência alertam que o interesse desses grupos pelo Brasil aumentou nos últimos anos. E que novas medidas de combate ao terrorismo são urgentemente necessárias.

Desde os primeiros anos desde século, episódios distintos deixaram claro que existem, sim, terroristas internacionais, sobretudo ligados a organizações islâmicas, atuando no Brasil.

Em 2006, o Departamento do Tesouro dos EUA sancionou um grupo ligado ao Hezbollah que atuava na Tríplice Fronteira, entre BrasilParaguai e Argentina. Embora o grupo não seja oficialmente considerado terrorista pelo governo brasileiro, como não o é pela ONU (Organização das Nações Unidas), Washington o tem em sua lista de organizações terroristas designadas desde 1997.

Mais tarde, em 2011, a revista Veja destacou a atuação de outro colaborador do Hezbollah no Brasil, dizendo que ele tinha trânsito livre no país graças a documentos falsos e atuava para recrutar jovens brasileiros interessados em servir à organização.

A falta de rótulo, entretanto, não distancia o Hezbollah do terrorismo. A organização libanesa, que é apoiada pelo governo do Irã, foi responsabilizada por um ataque terrorista em Buenos Aires em 1994, quando 85 pessoas morreram na explosão que atingiu a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA).

No Brasil, os indivíduos ligados ao Hezbollah presos na semana passada também panejavam realizar ataques contra entidades judaicas, segundo informações divulgadas pelo portal Uol e atribuídas à Polícia Federal (PF).

Combatentes do Estado Islâmico na fronteira entre Mali e Níger: Brasil na mira(Foto: WikiCommons)
Ataques no Brasil

Embora o terrorismo islâmico já tenha dado as caras sob sua faceta mais violenta em um país vizinho, jamais ouve um ataque no Brasil. Segundo Barbara Krysttal, gestora de políticas públicas e analista de inteligência antiterrorismo que conversou com A Referência, essa possibilidade agora é real.

“O Brasil, nos últimos anos, tem sido mais vezes cogitado como possível alvo para ataques terroristas”, disse ela, destacando ainda o maior interesse das organizações extremistas no recrutamento de seguidores, questão igualmente citada pela PF quando realizou as detenções da semana passada.

“O Brasil recorrentemente, nos últimos dez, cinco anos, tem tido um aumento significativo de grupos terroristas assediando jovens e cooptando adultos jovens para fazer parte de ações terroristas no mundo todo”, afirmou Krysttal, destacando a diversidade de nacionalidades e culturas na população brasileira como um facilitador para os recrutadores.

Quanto ao risco de ataques aumentado, um fator determinante, segundo a especialista, é que grandes eventos frequentemente são realizados no Brasil. Foi em um deles, os Jogos Olímpicos Rio 2016, que o país vivenciou seu mais marcante episódio de combate ao terrorismo, com a prisão de um grupo supostamente ligado ao Estado islâmico (EI).

“Então, sim, é um polo que tem possibilidade de ser alvo de ações terroristas”, disse Krysttal.

Intercâmbio de inteligência

Em 2021, em entrevista À Referência, o tenente-coronel do Exército brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), já havia alertado para as deficiências da inteligência brasileira no combate ao extremismo. Um problema que vai na contramão da eficiência da PF, segundo ele “a única ilha de excelência nesta conjuntura caótica de contraterrorismo no Brasil.”

“A verdade trágica para a segurança nacional é que o Brasil não está preparado para combater efetivamente o terrorismo internacional”, disse Soares na ocasião. “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de inteligência de Estado vigente no país.”

Krystall faz análise semelhante. “O Brasil possui, sim, algumas ações e planos de enfrentamento ao terrorismo. Mas, dada a realidade atual, é importante que a gente tenha uma atualização dessas ações, principalmente um programa governamental de combate ao terrorismo alinhado com os serviços de inteligência do mundo inteiro.”

Por sinal, foi a contribuição de agências dos Estados Unidos e de Israel que permitiu a recente prisão dos filiados ao Hezbollah. O mesmo ocorreu em 2016, quando um alerta feito pelo governo norte-americano levou à identificação dos brasileiros cooptados pelo EI.

Quem também destaca a importância do intercâmbio entre os serviços de inteligência é Rubens Beçak, professor da FDRP-USP, livre-docente em Teoria Geral do Estado pela USP e professor visitante da Universidade de Salamanca, na Espanha, no curso Master em Estudos Brasileiros.

“Nós estamos falando da soberania brasileira, mas os serviços de inteligência estrangeiros nos ajudam, na medida em que chegamos a uma resposta a essa tentativa terrorista de uma maneira muito mais eficiente e eficaz”, declarou. “As informações que podem ter sido trazidas pela inteligência israelense são bem-vindas, principalmente, pela larga tradição que o país tem em investigações de contraterrorismo.”

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