Canadá acusa China de usar parentes de parlamentar em Hong Kong para intimidá-lo

Escândalo pegou até o político canadense de surpresa e gerou turbulência interna e externa no governo de Justin Trudeau

O governo do Canadá convocou nesta semana o embaixador da China no país para dar explicações, em meio a um suposto caso de repressão e intimidação envolvendo um parlamentar canadense e familiares dele em Hong Kong. Ottawa acusa Beijing de usar os parentes para pressionar Michael Chong, autor de um projeto que classifica como genocídio a perseguição aos uigures na região chinesa de Xinjiang.

O caso foi revelado pelo jornal Globe and Mail e pegou até o político de surpresa. “Estou profundamente desapontado ao descobrir, por meio de uma reportagem do Globe and Mail, que o governo Trudeau sabia há dois anos que um diplomata da RPC (República Popular da China), trabalhando no consulado em Toronto, tinha como alvo minha família em Hong Kong”, disse ele em comunicado oficial.

Michael Chong, parlamentar canadense (Foto: Facebook pessoal)

Chong contestou o fato de o caso ter sido mantido em sigilo pelo Serviço Canadense de Inteligência de Segurança (CSIS, na sigla em inglês) e pelo primeiro-ministro Justin Trudeau, criticando o chefe de governo por não ter punido o responsável pela repressão aos familiares do parlamentar.

“Na verdade, a última lista diplomática e consular de diplomatas credenciados fornecida pela Global Affairs Canada mostra que esse diplomata, o Sr. Wei Zhao, ainda é aprovado pelo governo para trabalhar no Canadá. É óbvio e espantoso que o governo continue a fechar os olhos à ameaça de interferência estrangeira”.

Foi somente após a divulgação do caso pelo periódico canadense que o governo local passou a agir. A ministra das Relações Exteriores, Mélanie Joly, encarregou o vice dela de dizer ao embaixador chinês que o Canadá “não tolera nenhuma forma de interferência estrangeira”. E disse em sua conta no Twitter: “Todas as opções continuam na mesa conforme consideramos as consequências desse comportamento”.

O caso estremeceu ainda mais a já conturbada relação entre os governos canadense e chinês. Beijing acusou Ottawa de “calúnia e difamação”, segundo a rede BBC, classificando como “absurda” a alegação de que teria ameaçado os familiares de Chong que vivem em Hong Kong, território chinês.

Mao Ning, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, declarou que seu governo está “fortemente insatisfeito com a calúnia infundada do Canadá e a difamação do desempenho normal de suas funções pela embaixada e consulados chineses no Canadá”.

A convocação de um diplomata estrangeiro por um governo é uma estratégia comumente usada para manifestar publicamente descontentamento com o país de origem do representante.

Por que isso importa?

A relação entre Ottawa e Beijing teve uma sensível piora desde o início dos casos de Michael Spavor e Michael Kovrig, cidadãos canadenses detidos na China em 2018 logo após a prisão no Canadá de Meng Wanzhou, executiva da Huawei acusada pelos EUA de espionagem industrial.

O governo canadense alega que seus dois cidadãos foram presos como retaliação, a fim de forçar Ottawa a libertar Meng, contra quem havia um mandado de prisão internacional solicitado pelos EUA. Em setembro de 2021, a executiva retornou à China, enquanto Spavor e Kovrig voltaram ao Canadá

Também pesa para a crise diplomática o veto imposto pelo Canadá à presença em sua rede 5G das empresas ZTE e Huawei, ambas da China. Além disso, Ottawa tem se aproximado cada vez mais de Taiwan, que Beijing considera parte de seu território. Dessa forma, qualquer relação diplomática direta com a ilha é considerada por Beijing uma agressão à sua integridade territorial.

Diante desse cenário, as trocas de farpas entre os governos chinês e canadense se tornaram frequentes. Em maio do ano passado, o CSIS entregou ao Parlamento local seu relatório de segurança referente ao ano de 2021. O documento destaca, entre outras questões, o aumento da espionagem chinesa no país.

O documento diz que Beijing muitas vezes faz uso de “indivíduos sem treinamento formal em inteligência que possuem conhecimentos relevantes no assunto”. São, por exemplo, cientistas e empresários recrutados por meio de programas de talentos estatais, como viagens patrocinadas e bolsas de estudo internacionais. Nesses casos, os beneficiários são posteriormente usados como espiões.

Outro modelo bastante relevante reportado pelo CSIS é o das campanhas de desinformação, atualmente uma especialidade justamente dos chineses e também da Rússia, aliada de Beijing. Tais manifestações passaram a ser notadas especialmente desde março de 2020, tendo como tema a pandemia de Covid-19.

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