Comunidade andina no Peru desafia mineradora chinesa para reaver suas terras

Impactados pela instalação de uma mina de cobre, indígenas protestaram interrompendo a extração do metal em suas antigas terras

Após ter sido deslocada há oito anos para dar lugar a uma mina de cobre chinesa, uma comunidade andina no Peru agora reivindica suas terras ancestrais de volta. Para isso, o povo indígena de Fuerabamba, decidido a interromper a produção como forma de protesto, invadiu a área de extração, um gigantesco esquema avaliado em US$ 1,2 bilhão que fornece 2% do suprimento global do metal. As informações são da agência Reuters.

O conflito teve início em abril, quando aproximadamente cem membros da comunidade de Fuerabamba entraram na mina conhecida como Las Bambas e armaram barracas, com o objetivo de paralisar os trabalhos. E não foram sozinhos. Junto deles estavam os vizinhos da comunidade de Huancuire, insatisfeitos com os planos chineses de expandir a jazida em direção às suas terras, de onde recusam sair.

No mês passado, a direção da companhia Minerals and Metals Group (MMG Limited), que tem a China como maior acionista e é um grande contribuinte para os cofres do governo peruano, tentou sem sucesso retomar a área e dar fim ao protesto, o que resultou em confrontos com dezenas de feridos. A produção de cobre, estimada em US$ 3 bilhões por ano, segue suspensa e não tem previsão para ser retomada.

Vista aérea da mina de Las Bambas, em Apurímac (Foto: Presidencia del Consejo de Ministros/Flickr)

Os membros de Fuerabamba foram submetidos a um reassentamento, ao contrário dos Huancuire, que permaneceram no local. Alegando que a mina não honrou totalmente seus compromissos anteriores, dois grupos somaram esforços em uma aliança organizada para negociar com o governo e a mina.

A mina admite que 20% de suas obrigações estabelecidas no acordo de reassentamento estão pendentes. Entre elas, a principal: a compra de novas terras para a comunidade.

Em meio a um cenário crescente de insatisfação, as reivindicações de lideranças de Fuerabamba, que no início estavam somente ligadas a questões de cumprimento do pacto, chegaram ao ponto de os indígenas exigirem a saída dos mineradores.

“Vamos continuar lutando até que Las Bambas feche e saia daqui de vez. É guerra!”, disse Edison Vargas, presidente da comunidade de Fuerabamba.

A questão envolvendo as comunidades indígenas é a mais séria envolvendo a mina desde que os trabalhos no local foram iniciados, em 2016. Na visão de especialistas do setor, as desavenças colocam um ponto de interrogação sobre o futuro de um maiores investimentos já feitos no Peru, o segundo produtor global de cobre.

Desde que começou a ser planejada, há dez anos, a área de mineração já teve estradas bloqueadas até por comunidades mais distantes, que igualmente sofreram impactos. Mas a invasão dos Fuerabambas e Huancuires, que ocorre em meio a um ressurgimento na América do Sul de manifestações contra projetos de mineração, parecem mais efetivos e têm potencial para arruinar o esquema de reassentamento comunitário mais caro do Peru.

Dinheiro e nada mais

Perto de 1,6 mil membros da comunidade de Fuerabamba foram realocados em 2014 para uma vila construída com casas de três andares perto da mina. De acordo com MMG Limited, os moradores aprovaram a mudança, que trouxe US$ 300 milhões em pagamentos em dinheiro.

“Nova Fuerabamba”, a cidade que Las Bambas construiu, possui uma praça. No local, uma placa preconiza que o assentamento é a “face duradoura do progresso e da esperança”.

Os moradores, no entanto, têm uma visão desconectada dessa mensagem progressista. Para eles, a transição abrupta da vida rural para a vida na cidade trouxe traumas e problemas psicológicos.

Entre os problemas citados, um dos principais é a moradia e o clima gélido dos Andes: as novas casas de alvenaria não protegem do frio das noites andinas da mesma forma que as antigas moradias erguidas em tijolos de adobe, material feito de terra crua, água, palha e fibras naturais.

Itens básicos como água, comida e combustível, que a comunidade extraía da terra, agora têm custos. Muitos também abandonaram agricultura e criação de gado porque os lotes de reposição fornecidos pela mineradora estão distantes da nova vila.

“O problema é que o desenvolvimento sustentável não foi alcançado”, disse Paola Bustamante, diretora da Videnza, uma consultoria que atuou como principal autoridade do Peru encarregada de conflitos sociais em Las Bambas. “O que foi feito é que eles receberam algum dinheiro e é isso.”

Descaso governamental

O governo peruano deu permissão à MMG para expandir a mina em março. O chefe de Fuerabamba, Vargas, disse que o presidente Pedro Castillo não deu a devida atenção aos seus alertas que previam uma crise iminente e um pedido de mediação antes da ocupação.

Em uma carta de 28 de março obtida pela reportagem, Vargas relatou ao Ministério da Mineração sobre os riscos de “situação crítica” em Las Bambas. Ele também afirmou que viajou à capital Lima para solicitar ao governo uma intervenção na disputa, mas não teve êxito.

Por que isso importa?

A América Latina tornou-se parte fundamental do projeto de expansão da influência global chinesa. A região estreita cada vez mais seus laços com Beijing. Setores como mineração, produção e distribuição de energia elétrica têm crescente investimento chinês, em projetos pouco transparentes que geram renda e, invariavelmente, um gigantesco impacto ambiental.

A China tem importado cerca de 75% do minério de ferro comercializado no mundo e cerca de 60% de seu minério de cobre de países latino-americanos.

Os países latino-americanos aderiram ao projeto chinês “Nova Rota da Seda” (Belt and Road Iniciative, da sigla em inglês BRI), iniciativa lançada pelo governo Xi Jinping em 2015 que financia projetos de infraestrutura no exterior em quase 70 países.

Nos últimos 20 anos, o comércio bilateral cresceu 25 vezes, de US$ 12 bilhões em 1999 para US$ 306 bilhões em 2018, colocando a China como o segundo maior parceiro comercial da América Latina, atrás dos Estados Unidos.

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