O presidente Lula incorreria em crime de responsabilidade caso cumprisse a promessa de dar passagem livre no Brasil ao presidente russo Vladimir Putin, alvo de um mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). A declaração foi dada em setembro de 2023, e o debate foi agora retomado pelo deputado federal Kim Kataguiri (União-SP) ao protocolar um requerimento de informação, no qual questiona o governo federal com vistas à cúpula do G20 agendada para novembro, no Rio de Janeiro.
O mandado de prisão foi emitido pelo TPI em março de 2023 por crimes de guerra, fruto da denúncia de que a Rússia deporta e transfere ilegalmente crianças ucranianas para seu território. Por esse motivo, Putin se ausentou da cúpula do BRICS em Joanesburgo, na África do Sul, em agosto do ano passado. Agora fica a expectativa pela presença ou não no Brasil.
A possibilidade de Putin ser detido em território brasileiro passou a ser debatida após declaração do presidente Lula que gerou repercussão global. “Eu posso dizer que, se eu sou presidente do Brasil e ele vem para o Brasil, não tem por que ele ser preso”, afirmou o petista em entrevista ao site indiano Firstpost em 9 de setembro, durante a 18ª edição da Cúpula do G20 em Nova Délhi, na Índia.
No requerimento de informação, Kataguiri questiona o Ministério da Justiça se a afirmação de Lula é válida ou “se existe intenção por parte do Ministério [da Justiça e Segurança Pública] ou de seus órgãos subordinados em acatar a ordem emitida pelo TPI.” E acrescenta: “Com base na prerrogativa conferida ao Poder Legislativo, através de dispositivos constitucionais e regimentais, busca-se obter informações sobre a conduta e diretrizes do referido Ministério diante dessa situação.”
A resposta do governo federal veio através de ofício do Ministério da Justiça e Segurança Pública datado de 12 de janeiro, sexta-feira da semana passada, e assinado pelo ministro Flávio Dino. No documento, ele afirma que a pasta “tem realizado tratativas com o Ministério das Relações Exteriores para dar o tratamento adequado ao assunto” e que “as medidas correspondentes serão adotadas a partir do resultado dessas tratativas.”
Entretanto, o ministro alega que não pode divulgar publicamente “planos ou estratégias para cumprimento de qualquer mandado de prisão, independentemente do sujeito passivo da medida”, sob o risco de que as informações venham a desencadear “consequências adversas, dentre elas, a frustração da efetividade da execução da medida e o comprometimento da segurança de pessoas envolvidas.”
Putin preso no Brasil
Considerando a decisão de Moscou de não enviar Putin à África do Sul, é extremamente improvável que ele venha ao Brasil. Entretanto, caso opte por participar da cúpula do G20, as autoridades brasileiras teriam a obrigação de prendê-lo. A avaliação é de Flávio de Leão Bastos Pereira, professor de Direito Constitucional na Universidade Presbiteriana Mackenzie, que conversou com a reportagem de A Referência em setembro, pouco depois da manifestação de Lula.
“O Estado brasileiro tem obrigação de cooperar, inclusive prendendo Putin se assim for o caso”, afirmou Bastos Pereira, que é também editor-chefe do Journal of International Criminal Law, da Suécia, e professor convidado na Universidade de Nuremberg, na Alemanha, onde aborda o tema genocídio. “O dever de cooperação é imperativo, é absoluto”, acrescentou.
A adesão brasileira ao TPI foi formalizada em 2004, quando uma reforma constitucional adicionou o parágrafo quarto ao artigo quinto da Constituição Federal. Diz ele que “o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.” O texto legal foi inclusive citado pelo deputado do União no requerimento de informação.
A possibilidade de Lula responder por crime de responsabilidade, como destacou Kataguiri, foi igualmente abordada pelo especialista na entrevista de setembro. Um possível efeito disto seria o impeachment de Lula por desrespeitar a Constituição. Embora veja viabilidade jurídica, Bastos Pereira não aposta em tal desfecho.
“Em tese, pode-se pensar nisso. Mas acho quase inviável. Embora o impeachment tenha regras jurídicas, é essencialmente um instrumento político. Para que vá adiante, depende de um cenário no Congresso que colocasse um presidente em uma situação muito difícil. Acho muito difícil o Lula sofrer impeachment por conta disso, uma vez que tem tido apoio considerável do Congresso”, declarou