Na quarta-feira (21), Washington decidiu impor sanções ao Ministério da Defesa de Mianmar e a dois bancos que são utilizados para adquirir armas e outros bens provenientes de fontes estrangeiras pela junta militar que articulou um golpe de Estado em 2021. As informações são da agência Al Jazeera.
De acordo com um comunicado emitido pelo Departamento do Tesouro dos EUA, os militares de Mianmar têm contado com fontes estrangeiras, incluindo entidades russas que já estão sujeitas a sanções, para comprar e importar armamentos, além de equipamentos e matérias-primas utilizados na fabricação de armas. Essas ações têm o objetivo de sustentar a sua “repressão brutal”.
Washington acusou o Ministério da Defesa birmanês de importar itens no valor de pelo menos US$ 1 bilhão desde o golpe de 2021, quando líderes militares assumiram o controle do governo e prenderam a líder democrática Aung San Suu Kyi.
O banco estatal de Comércio Exterior de Mianmar (MFTB) e o Banco Comercial e de Investimentos de Mianmar (MICB) também foram alvo de sanções. O Departamento do Tesouro dos Estados Unidos destacou que essas instituições permitiram o acesso dos mercados internacionais a empresas estatais geradoras de receita, como a Myanma Oil and Gas Enterprise.
Os bancos mencionados têm desempenhado um papel significativo na recepção e transmissão de moedas estrangeiras.
Brian Nelson, subsecretário do Tesouro para terrorismo e inteligência financeira, declarou que o regime militar em Mianmar aproveitou o acesso estatal aos mercados internacionais para importar armas e materiais, incluindo aqueles provenientes de entidades russas já sancionadas. Essa ação visa a manter a sua contínua “violência e opressão”, disse ele.
Após o golpe em fevereiro de 2021 no país do Sudeste Asiático, no qual os militares assumiram o poder e reprimiram violentamente os protestos em massa, os Estados Unidos e outras nações ocidentais impuseram múltiplas rodadas de sanções aos generais do país.
Desde o golpe, a junta militar de Mianmar está envolvida em um conflito prolongado com grupos de resistência e organizações étnicas cada vez mais poderosas. Entre eles um movimento crescente chamado Força de Defesa do Povo (PDF, na sigla em inglês), formado por grupos armados e que continua a encarar as tropas do governo. Nesse cenário, há relatos de ataques aéreos indiscriminados e destruição de aldeias civis perpetrados pelos militares.
Regime “despreocupado”
Antes do anúncio dos EUA, um porta-voz do regime militar de Mianmar afirmou que não estava preocupado com possíveis novas sanções. Zaw Min Tun, em uma entrevista ao canal de mídia estatal MWD na terça-feira (20), declarou que o país já enfrentou sanções anteriormente e não sofrerá grandes perdas caso sejam impostas novas penas aos bancos estatais.
Ele argumentou que os EUA estão adotando essa medida com o intuito de “criar dificuldades tanto na economia quanto na política de Mianmar”. No entanto, ele expressou preocupação de que tais sanções causariam “atrasos desnecessários” no avanço rumo a um sistema democrático multipartidário.
Além disso, o Bangkok Business News relatou que fontes tailandesas afirmaram que as sanções teriam um impacto financeiro na Tailândia e em outros países da região, devido às conexões do país com os bancos birmaneses.
Capacidade militar impactada
Especialistas alertam que as sanções direcionadas aos bancos podem afetar a capacidade do governo militar de financiar sua guerra contra grupos étnicos e rebeliões, embora não atinjam os projetos de gás, que são fonte importante de receita.
Segundo um relatório da ONG de direitos humanos EarthRights International, os dois bancos são os principais detentores de reservas em moeda estrangeira de Mianmar e agora estão sob controle militar. As autoridades militares dependem dessa moeda estrangeira para adquirir combustível de aviação, peças para a produção de armas e outros suprimentos que não podem ser comprados com a moeda local, o kyat.
Portanto, segundo a ONG, as sanções contra o MFTB e o MICB podem restringir significativamente o acesso da junta à moeda estrangeira, especialmente se combinadas com uma fiscalização rigorosa.
Por que isso importa?
Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.
Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.
As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.
A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.
Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar. Inicialmente, o golpe foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu bastante com a derrubada. Mas o cenário mudou desde então.
O governo chinês frequentemente se coloca ao lado da junta ao vetar resoluções que condenam a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral. A posição ficou evidente mais uma vez em dezembro de 2022, embora a China tenha optado por não vetar a resolução.
A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Entretanto, há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.