Russas que manifestaram oposição a Putin foram envenenadas no exterior, aponta investigação

Duas vítimas foram submetidas a testas por autoridades alemãs, que jamais divulgaram os resultados e parecem ter se esforçado para abafar os casos

Três cidadãs russas críticas ao regime do presidente Vladimir Putin, todas vivendo atualmente no exterior para fugir da perseguição estatal, foram muito provavelmente envenenadas por agentes a serviço do Kremlin. É o que aponta uma investigação conduzida pelo site The Insider, que consultou uma série de especialistas para apurar a origem dos misteriosos problemas de saúde que acometeram as vítimas em diferentes momentos, todos após a invasão em larga escala da Rússia à Ucrânia em fevereiro de 2022.

A jornalista Elena Kostyuchenko, que documentou crimes de guerra cometidos pelas tropas russas na Ucrânia, foi orientada a fugir da Rússia por Dmitry Muratov, diretor do jornal Novaya Gazeta e vencedor do Nobel da Paz em 2021. “Você não pode voltar para a Rússia. Você será morta aqui”, teria dito ele ao aconselhar a colega.

A fuga, porém, não bastou para protegê-la. Quando já vivia na Alemanha, Kostyuchenko passou a sofrer com estranhos sintomas: perda de paladar, inchaço nos dedos de mãos e pés e no rosto, náuseas e fortes dores de estômago. Segundo ela, um odor forte também exalava do próprio corpo e era notado por qualquer um de quem se aproximasse. Inicialmente, suspeitou de Covid-19, mesmo problema sugerido por um médico que a atendeu. Após exames laboratoriais, no entanto, tal hipótese foi descartada.

O presidente Vladimir Putin durante conferência de imprensa em Moscou (Foto: Kremlin.ru)

Os sintomas perduraram por ao menos dois meses, e a suspeita de envenenamento foi levantada por um médico russo que trabalhou no caso de Alexei Navalny, opositor de Putin envenenado também na Alemanha em 2020. Kostyuchenko, inicialmente, disse não acreditar em tal hipótese: “Não sou tão importante”, alegou, Entretanto, acabou direcionada ao hospital universitário Charité, em Berlim, o mesmo onde o dissidente ficou internado durante sua recuperação há três anos.

O caso foi levado também às autoridades alemãs, que chegaram a questioná-la pela demora em denunciar o possível envenenamento. Submetida a novos exames de sangue em busca de toxinas, jamais soube dos resultados. A polícia alemã usou uma série de argumentos estapafúrdios para fugir do assunto, como se tentasse abafar o caso.

“O The Insider conversou com uma série de especialistas, médicos e químicos com experiência no diagnóstico de envenenamentos, incluindo um ex-químico principal da Organização para a Proibição de Armas Químicas, o órgão regulador internacional. Todos concordaram que os sintomas de Kostyuchenko não podem ser explicados por nada além de envenenamento exógeno”, diz a reportagem.

O caso da ativista Natalia Arno foi semelhante. Ela preside a Free Russia Foundation, uma ONG com sede em Washington, nos EUA, que apoia dissidentes russos e atua pela libertação de prisioneiros de guerra ucranianos. Por ter dado suporte ao governo norte-americano na imposição de sanções a Putin e seus aliados, a entidade foi classificada com “indesejável” por Moscou. E Arno entrou na mira do Kremlin.

Durante um evento em Praga, na República Tcheca, a ativista passou a sofrer com problemas de saúde repentinos: dores em todo o corpo, um gosto estranho na boca e a visão embaçada. Problemas que começaram após uma noite na qual, retornando ao quarto de hotel, achou a porta entreaberta e sentiu um estranho odor no ar. O hotel culpou a própria equipe pelo descuido com a porta.

Como o problema persistiu após retornar a Washington, Arno procurou o FBI, a polícia federal norte-americana. Passou por uma série de testes, e a resposta oficial descartou o envenenamento por Novichok, o mesmo agente nervoso usado contra Navalny e outros dissidentes russos conhecidos, como o ex-espião Sergei Skripal, envenenado na Inglaterra em 2018. Os médicos dela, porém, afirmam que a jovem foi vítima de “toxinas nervosas”, embora não sejam capazes de especificar quais.

A terceira vítima citada na investigação é a jornalista Irina Babloyan, que então vivia na Geórgia. Os sintomas, no caso dela, foram fraqueza, tontura e desorientação. “Tive a sensação de que meu corpo não me pertencia mais; parecia algodoado e senti uma forte ansiedade”, disse ela, que como as outras duas vítimas não teve pressa para investigar o problema, pensando se tratar de algo corriqueiro.

Descartadas as suspeitas iniciais de alergia, a jornalista também foi atendida no hospital berlinense em que Navalny se internou. E igualmente acabou em contato com as autoridades da Alemanha, onde passou a viver. Como no caso de Kostyuchenko, nunca obteve os resultados dos testes realizados sob a supervisão da polícia, sob a alegação de que as amostras de sangue “se perderam”.

“Segundo os especialistas ouvidos pelo The Insider, o quadro clínico descrito por Babloyan não pode ser explicado de forma convincente pela presença de algum tipo de doença; o envenenamento exógeno parece-lhes o diagnóstico mais razoável. Os especialistas concordam, no entanto, que a descoberta das toxinas agora é improvável, dado o tempo decorrido desde a suposta exposição.”

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