Este conteúdo foi publicado originalmente pelo think tank Brookings Institution
*Por Patrícia M. Kim
Donald Trump sempre se orgulhou de ser o negociador definitivo. Desde que assumiu o cargo, sua abordagem tem sido direta e personalista, envolvendo-se com Xi Jinping e Vladimir Putin e até cogitando um acordo trilateral de armas nucleares ao estilo da Guerra Fria. Suas preferências são claras: negociações de bastidores com homens fortes.
A especulação cresce sobre qual grande barganha Trump pode tentar fazer com Xi. Ele buscará uma reaproximação ao estilo Richard Nixon com Beijing? Poderia ignorar a agressão chinesa a Taiwan em troca de compras massivas de produtos americanos e um impulso à reindustrialização dos EUA? Ou abriria mão da influência americana na Ásia em troca do apoio chinês para encerrar a guerra na Ucrânia?
Beijing, por sua vez, vem testando o terreno. Desde novembro, uma sucessão de delegações chinesas tem visitado Washington para sondar possíveis termos de um acordo. Mas dentro da órbita de Trump e dos círculos de política externa dos EUA, não há consenso sobre o que, afinal, Washington deveria exigir da China. Alguns defendem a necessidade de reequilibrar as relações econômicas entre os dois países. Outros veem qualquer diálogo com o Partido Comunista Chinês (PCC) como inútil e advogam por uma dissociação estratégica em larga escala.
Mas, apesar de toda a especulação, um grande acordo permanece ilusório. E o motivo é simples: ele não existe.

O mito da grande barganha
A ideia de um pacto abrangente entre EUA e China é sedutora. Ele traria clareza a uma relação tensa e imprevisível. Mas a história mostra que não há solução mágica. Desde a visita de Nixon a Beijing, em 1972, gerenciar essa relação nunca foi sobre gestos dramáticos ou a busca de um estado final idealizado. O verdadeiro desafio sempre foi equilibrar competição e cooperação, estabelecer limites firmes e recalibrar constantemente as prioridades estratégicas.
Por décadas, ambas as potências perseguiram um acordo definitivo que resolveria suas disputas fundamentais. E, repetidamente, ambas se frustraram. Isso porque suas principais exigências são, em grande parte, inconciliáveis.
Para a China, uma grande barganha significaria a aceitação dos EUA às suas ambições centrais: a anexação de Taiwan, o endosso ao governo do PCC e uma esfera de influência incontestada na Ásia e além. Beijing quer acesso irrestrito aos mercados e à tecnologia americana, sem abrir mão de suas próprias políticas protecionistas. Sempre que Washington impõe barreiras, a China denuncia a postura como hostil ao livre comércio – ignorando seu próprio histórico de intervencionismo estatal e coerção econômica.
Já para os EUA, qualquer grande barganha exigiria concessões que a China não está disposta a fazer: o fim da agressão militar contra Taiwan e nos mares da China Oriental e Meridional, a redução de práticas econômicas desleais que prejudicam empresas americanas, melhorias nos direitos humanos e um movimento rumo à democratização. Além disso, Washington sempre buscou o apoio chinês para pressionar regimes adversários – do Vietnã do Norte na Guerra do Vietnã à Coreia do Norte e à Rússia hoje. Mas atender a essas exigências colocaria Beijing em confronto direto com seus poucos aliados, comprometendo sua própria estratégia geopolítica.
Essas demandas tocam os pilares da identidade política e dos interesses estratégicos de cada país. Por isso, grandes acordos fracassaram no passado – e fracassarão no futuro.
Trump pode ser, de fato, o negociador ideal para Beijing, especialmente por sua visão não convencional sobre Taiwan, que ele enxerga mais como um concorrente econômico do que um aliado estratégico. Mas, mesmo dentro de seu governo e do Partido Republicano, há pouca concordância com essa perspectiva. E Pequim sabe que qualquer compromisso feito por um presidente americano pode ser reinterpretado ou anulado pelo próximo.
O mesmo vale para a China. Apesar de seu sistema autoritário e da ausência de limites de mandato para Xi Jinping, Beijing já demonstrou que romperá promessas sempre que for conveniente. A garantia de Xi, em 2015, na Casa Branca, de que não militarizaria ilhas no Mar da China Meridional é um exemplo claro.
Uma abordagem mais realista
Isso não significa que o diálogo bilateral seja inútil. Mas qualquer estratégia deve se basear no realismo, e não em ilusões. Em vez de perseguir uma barganha impossível, EUA e China precisam de uma abordagem pragmática e disciplinada.
O primeiro passo pode ser Trump e Xi estabelecendo expectativas amplas: definir o que ambos buscam (como uma relação econômica mais equilibrada e garantias mútuas de segurança nacional) e o que rejeitam (guerra e uma ruptura completa das relações).
A partir daí, começa o trabalho árduo: negociar acordos específicos e viáveis em áreas como comércio, fentanil, controle de armas e gestão de crises.
Fundamental também é garantir mecanismos confiáveis de fiscalização. Washington deve estar pronta para confrontar violações, penalizar maus comportamentos e oferecer incentivos estratégicos para estimular a conformidade chinesa.
Para moldar o relacionamento a seu favor, os EUA precisam negociar a partir de uma posição de força. Isso exige investimentos em sua própria resiliência econômica, capacidades militares, liderança tecnológica e alianças globais. Ao mesmo tempo, devem manter laços econômicos e diplomáticos controlados com a China – não como concessão, mas como estratégia. Sem esse engajamento, Washington perde influência sobre Beijing, restando apenas o confronto militar como alternativa. E esse é o pior cenário possível.
Essa abordagem pode parecer lenta e frustrante. Mas, no longo prazo, ela entrega resultados muito melhores do que os extremos – seja a ilusão do apaziguamento, seja o risco da hostilidade aberta.
*Patrícia M. Kim é pesquisadora no Brookings Institution, atuando no Centro de Estudos de Política Asiática e no John L. Thornton China Center. Seu trabalho foca em política externa dos EUA, segurança na Ásia-Pacífico e as relações entre China e Estados Unidos.