Amazon acatou censura imposta pela China e apagou críticas a livro de Xi Jinping

Uma pessoa que teve conhecimento do caso diz que a ideia era não permitir nenhuma crítica que conferisse à obra algo menor que a nota máxima

A Amazon, gigante norte-americana do comércio eletrônico, atendeu sem maiores questionamentos a uma ordem de censura do governo chinês há cerca dois anos. A determinação acatada pela empresa era para excluir todas as críticas negativas feitas por usuários a um livro com discursos e artigos do presidente chinês Xi Jinping, segundo a agência Reuters.

Duas pessoas familiarizadas com o caso fizeram a revelação. Segundo elas, a ordem do governo levou a Amazon a encerrar o sistema de comentários e avaliações de obras feitas pelos usuários do site. A censura ocorreu depois que o governo detectou a publicação de uma crítica negativa ao livro de Xi. “Acho que o problema era não permitir nada abaixo de cinco estrelas”, disse um dos indivíduos, citando a nota mais alta possível no sistema de avaliação.

Desde aquele episódio, o site da Amazon na China não apresenta qualquer sistema de comentários ou de avaliação das obras à venda. E, segundo as testemunhas, a empresa não fez qualquer menção de refutar a ordem, embora o sistema seja fundamental para engajar o usuário.

Livros de Xi Jinping expostos em uma livraria chinesa (Foto: Wikimedia Commons)

O incidente evidencia o esforço que a Amazon tem feito nos últimos anos para cair nas graças do governo chinês e aumentar seus lucros no país. Em 2018, um documento interno listava os maiores desafios da empresa para se fortalecer na China. “O controle ideológico e a propaganda são o núcleo do kit de ferramentas para que o Partido Comunista alcance e mantenha seu sucesso. Não estamos julgando se isso é certo ou errado”, dizia o material.

A empresa chegou a criar, em sua loja online nos Estados Unidos, uma página especialmente dedicada a livros chineses, com cerca de 90 mil obras. Não gerou lucros significativos, mas ajudou a fortalecer a imagem da empresa junto a Beijing. E contribuiu para a campanha de venda do Kindle e de livros eletrônicos, produtos que não são vistos com bons olhos pelo governo da China.

Entre os livros vendidos nesse espaço há uma obra que faz propaganda positiva das ações do governo em Xinjiang, onde o Ocidente acusa Beijing de cometer genocídio contra a minoria étnica dos uigures. E há também uma porção de livros que destacam a campanha estatal de combate à Covid-19. Segundo a Amazon, trata-se apenas de “um canal adicional para servir nossos leitores chineses nos Estados Unidos e em outros lugares”.

O comportamento na China contrasta com o que a própria Amazon fez na Índia, onde driblou a regulação estatal e chegou a fraudar o mecanismo de busca para promover produtos de marcas próprias. Ou mesmo nos Estados Unidos, onde ajudou a derrubar projetos de lei voltados a proteger os consumidores.

Na China, a ação da empresa também vai na contramão do que fizeram outras gigantes norte-americanas, como o Yahoo e o Linkedin, que optaram por deixar o país ou reduzir suas operações devido às dificuldades de lidar com os órgãos reguladores do Estado.

Por que isso importa?

No “ranking da liberdade” da ONG Freedom House, com sede em Washington, a China está entre os últimos colocados, com base em 25 medidas de direitos políticos e liberdades civis. O país soma apenas nove pontos de cem possíveis, acima apenas de outras 13 nações que têm pontuação ainda mais baixa.

Na China, o simples fato de citar a democracia leva à repressão do Estado. Algo que ficou claro nos protestos de 2019 em Hong Kong, que até hoje rendem prisões e denúncias contra seus organizadores e participantes. Segundo a ONG Hong Kong Watch, baseada no Reino Unido, até o dia 31 de janeiro deste ano, 10.294 pessoas foram presas por motivação política em Hong Kong, sendo que cerca de 2,3 mil foram posteriormente processadas pelo Estado.

A internet também deixa claro que os valores democráticos não têm vez na China, que bloqueia as redes sociais dos EUA e utiliza suas próprias versões, estas submetidas à censura do Partido Comunista Chinês (PCC). É o caso do Weibo, versão chinesa do Twitter. Lá, uma postagem do jornal estatal People’s Daily sobre o ataque do Ministério das Relações Exteriores à democracia norte-americana recebeu inicialmente cerca de 2,7 mil comentários. Depois de a censura começar a agir, restaram pouco mais de uma dúzia.

E a repressão imposta pela China a seus próprios cidadãos já ultrapassa as próprias fronteiras. Artigo publicado no início da semana passada pela revista Foreign Policy mostra como o PCC, fazendo uso da lei de segurança nacional de Hong Kong, tem poder para calar críticos que vivem a milhares de quilômetros de distância.

Aconteceu, por exemplo, com o empresário britânico Bill Browder, alertado pelo Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido a não viajar para países que honrem os tratados de extradição com Hong Kong. Ativista em defesa de sanções contra funcionários do governo britânico cúmplices de abusos dos direitos humanos, ele poderia ser preso e extraditado para o território controlado pela China por seu discurso crítico contra os abusos cometidos pelo PCC.

Isso porque a lei de segurança nacional prevê a acusação de qualquer pessoa, em qualquer lugar, por discurso considerado hostil aos interesses de segurança chineses. “Os ditames da China afetam os esportes, Hollywood, o mundo editorial, os meios de comunicação e o jornalismo, o ensino superior, as empresas de tecnologia e mídia social e muito mais”, diz o artigo.

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