Ataques aos rohingya atualmente emulam o genocídio de 2017, dizem especialistas

Membros da minoria étnica que permanecem em Mianmar são hoje vitimados pelos militares e pelos rebeldes do Exército Arakan

Em 2017, quando a violência contra os rohingya em Mianmar atingiu seu pior momento histórico, os EUA iniciaram um processo, que ganhou apoio generalizado, para classificar a perseguição como genocídio. Na opinião de especialistas ouvidos pela rede Radio Free Asia (RFA), a situação do grupo étnico atualmente é semelhante à daquele período. Ou pior.

“Muitos dos meus parentes, colegas e amigos no estado de Rakhine estão dizendo que isso é pior do que em 2017 e acham que esta é a segunda onda de genocídio, provavelmente de uma forma mais horrível”, disse Wai Wai Nu, diretora da Rede de Mulheres pela Paz em Mianmar, que falou durante evento no Museu Memorial do Holocausto em Washington, nos EUA.

Ela citou os casos das cidades de Maungdaw e Buthidaung, em Rakhine, historicamente importantes para a minoria étnica. Mesmo após o genocídio de 2017, quando houve um enorme êxodo em direção a campos de refugiados de Mianmar ou a Bangladesh, muitos rohingya permaneceram nos dois locais. Hoje, porém, quase não são vistos por lá.

“Estas são cidades muito importantes para a população Rohingya”, afirmou a diretora. “Se formos erradicados daqui, significa que nossa existência na Birmânia (antigo nome de Mianmar) está ameaçada. Não apenas a existência física, mas nossa existência histórica.”

Crianças da etnia rohingya caminham pelo campo de refugiados Cox’s Bazar, em Bangladesh (Foto: EU Civil Protection and Humanitarian Aid/Flickr)

Naomi Kikoler, diretora do Centro Simon-Skjodt para a Prevenção do Genocídio no Museu Memorial do Holocausto, diz que a situação vem sendo ignorada mundialmente, conforme as nações parecem mais focadas nos confrontos entre as Forças Armadas de Mianmar e os grupos rebeldes que tentam derrubar o regime militar.

“Houve uma falha histórica em priorizar a análise dos riscos específicos que a comunidade rohingya enfrenta”, disse ela, segundo quem há “uma relutância em olhar para a comunidade, porque as condições terríveis em que se encontravam minavam a narrativa de sucesso e a narrativa de que a Birmânia estava no caminho da democracia.”

Tun Khin, presidente da Organização Birmanesa Rohingya do Reino Unido, diz que a violência contra a minoria não parte somente das Forças Armadas. Ele acusa também o Exército Arakan, grupo que integra uma coalizão rebelde ao lado de outras duas fações, o Exército da Aliança Democrática Nacional de Mianmar e o Exército de Libertação Nacional de Ta’ang, na luta contra os militares.

Wai Wai Nu faz a mesma avaliação. “Tradicionalmente, essas comunidades no estado de Rakhine, tanto Arakan quanto Rohingya, têm queixas, e Arakan vê os rohingya como o segundo inimigo depois dos birmaneses étnicos”, disse ela, acrescentando que as táticas adotadas pelos militares durante o genocídio são emuladas atualmente pelos rebeldes contra a minoria.

“O que estamos vendo hoje é que eles realmente aprenderam muito com o genocídio do exército birmanês contra os rohingyas”, analisou.

Por que isso importa?

Os rohingyas compõem um grupo étnico muçulmano minoritário de Mianmar, no sudeste da Ásia. Embora vivam nos estados de Rahkine e Chin, no oeste do país, não têm direito à cidadania e são perseguidos pelas autoridades locais, com relatos de assassinatos, estupros e outros abusos.

Investigações indicam que os militares birmaneses foram responsáveis ​​por atrocidades que incluem mutilações, crucificações, queima e afogamento de crianças, numa ação deliberada de “limpeza étnica” hoje classificada globalmente como genocídio. Ativistas de direitos humanos pressionam há tempos por esforços internacionais para responsabilizar Mianmar por crimes contra a humanidade.

Diante desse cenário, cerca de um milhão de pessoas da minoria fugiram para Bangladesh desde 2017, sendo abrigados em precários campos para refugiados como o de Cox’s Bazar, o mais superlotado do mundo.

Outros 600 mil rohingyas continuam em Mianmar, vivendo sob as leis opressivas do governo militar que comanda o país. A perseguição é tão violenta que tornou-se habitual as pessoas lotarem embarcações rumo a Bangladesh, embora as condições que os esperam no destino sejam terríveis e o trajeto até lá seja extremamente perigoso.

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