Aumenta na China o movimento para suspender o pagamento das hipotecas

Documento sugere que cidadãos de cerca de cem cidades, atrelados a aproximadamente 300 projetos, aderiram ao movimento

Tem aumentado na China o movimento de pessoas que decidiram suspender o pagamento das parcelas de hipotecas de imóveis que não foram concluídos e, em muitos casos, sequer têm previsão por parte das construtoras para a conclusão das obras. As informações são do site SwissInfo.

Anos após terem adquirido imóveis na planta, os compradores ainda não receberam as chaves devido ao descumprimento de datas programadas para a entrega, já que os desenvolvedores não concluíram as obras.

Grupos de compradores culpam bancos comerciais locais de terem aprovado empréstimos hipotecários indevidos a desenvolvedores, com uma supervisão insuficiente das contas de garantia. Isso teria resultado em uso indevido de fundos e paralisação das obras pelos construtores.

Um documento intitulado We Need Home sugere que cidadãos de cerca de cem cidades, atrelados a aproximadamente 300 projetos, aderiram ao boicote das hipotecas. Segundo a empresa de análise financeira Nomura, as construtoras chinesas entregaram apenas 60% dos projetos vendidos na planta entre 2013 e 2020.

Inadimplência hipotecária é um protesto contra as obras paradas (Foto: WikiCommons)
Famílias endividadas

Wang, um operário de 34 anos, está nessa situação. Ele comprou na cidade de Wuhan um apartamento na planta da construtora Myhome Real Estate, cuja previsão de entrega era o final de 2021. Com uma dívida atualizada de dois milhões de yuans (R$ 1,5 milhão) e sem a perspectiva de receber o imóvel, ele diz que suspendeu os pagamentos.

“Não foi fácil para nós comprar esta casa. Tudo veio das minhas economias. Agora não há casa e ainda devemos dois milhões de yuans em pagamentos de hipoteca”, disse ele. “Eles disseram que a construção seria retomada em breve. Mas nenhum trabalhador apareceu”.

O problema está atrelado ao crescimento econômico da China e ao fácil acesso ao crédito, o que levou o governo, em 2020, a lançar uma campanha para conter o endividamento excessivo de empresas do setor imobiliário.

Assim, as opções de financiamento para gigantes da área, como por exemplo a Evergrande, foram reduzidas, gerando enormes dificuldades para pagar empréstimos, reestruturar dívidas acumuladas e concluir projetos em andamento.

Wuhan é particularmente sujeita a casos como o de Wang porque ocorreu por lá, há cerca de quatro anos, um processo para atrair jovens à cidade. “Todo mundo estava comprando propriedades. As pessoas estavam competindo por elas”, diz Hu, de 25 anos, que também investiu em um imóvel em Wuhan e hoje sofre com o atraso.

Xue, mais um jovem comprador, de 24 anos, também aderiu a boicote em função de uma dívida de 600 mil yuans (R$ 451 mil). “Não quero pagar mais”, disse ele. “Não é que eu não respeite a lei ou os contratos, mas essa situação nos coloca sob muita pressão”.

Por que isso importa?

Foi o endividamento da Evergrande que chamou a atenção para a crise imobiliária chinesa, símbolo das dificuldades enfrentadas pela economia local e seu outrora próspero setor. Depois de expandir e tomar empréstimos a uma velocidade vertiginosa, a incorporadora alega que tem lutado para juntar o dinheiro que precisa para honrar dívidas em atraso, empréstimos pendentes e salários atrasados.

A reorganização da incorporadora, que espera-se ser a maior já feita no país asiático, é tida como um momento decisivo na história do mercado de títulos em dólar no continente.

Evergrande tomou emprestados mais de US$ 20 bilhões em títulos denominados em dólares de seus mais de US$ 300 bilhões em passivos. Mas entregou poucas informações detalhadas enquanto as autoridades chinesas trabalham para limitar o impacto do colapso da empresa.

Hui Ka Yan, fundador e presidente da companhia e que encabeça a lista de bilionários devedores do setor imobiliário chinês, já perdeu pagamentos de cerca de US$ 20 bilhões em títulos internacionais e ainda não ofereceu um plano de reestruturação viável para a empresa. Ele tentou restaurar a confiança no seu negócio em fevereiro, ao descartar a venda de ativos, alegando que a empresa concluiria metade de seus projetos restantes no decorrer de 2022.

No dia 21 de março, a Evergrande teve suspensa a negociação de suas ações na bolsa de Hong Kong e foi avisada de que precisa informar as autoridades locais sobre como será executada a reestruturação da companhia. No dia seguinte ao anúncio, a gigante chinesa teve cerca de US$ 2,1 bilhões em dinheiro apreendidos por bancos para o pagamento de credores.

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