Crise da Evergrande se repete em quatro incorporadoras e pode atingir o Brasil

Empresas do setor imobiliário dão calote e evidenciam um endividamento excessivo comum na China, que pode derrubar a economia local

Ao menos quatro grandes incorporadoras chinesas enfrentam problemas semelhantes aos da Evergrande, segunda maior empresa do setor imobiliário da China, que tem um endividamento de cerca de 300 bilhões de euros e ameaça dar um calote nos credores. Fantasia, China Properties Group, Modern Land e Sinic Holdings deixaram claro nos últimos dias que não têm condições de satisfazer todos os seus credores, segundo levantamento da rede norte-americana CNN.

A situação mais preocupante é da Fantasia, que no início deste mês deixou de pagar um total de US$ 315 milhões a credores, valor que engloba um reembolso de títulos e um empréstimo feito por uma de suas subsidiárias. Embora a empresa seja pequena para os padrões chineses, apenas 64ª no ranking de incorporadoras do país, o calote agitou o mercado financeiro, e as ações da Fantasia já caíram 60% neste ano.

Crise da Evegrande se alastra, atinge outras incorporadoras e se aproxima do Brasil
China Evergrande Group: crise ameaça crescimento econômico da China (Foto: Wikimedia Commons)

Já a Cheergain Group, subsidiária da China Properties Group, deixou de pagar US$ 226 milhões em dívidas neste mês e afirmou que “não é capaz de financiar o valor devido até que tenha concluído a venda ou refinanciamento” de certos bens. Desde abril, as ações da empresa, que é sediada em Hong Kong, estão com as vendas suspensas, segundo a bolsa de valores local.

O caso mais recente é o da Modern Land, que admitiu não ter pagado o valor principal nem os juros de um título de US$ 250 milhões, com vencimento na segunda-feira (25). Alegou “problemas de liquidez inesperados decorrentes do impacto adverso de uma série de fatores, incluindo o ambiente macroeconômico, o ambiente do setor imobiliário e a pandemia de Covid-19”.

A Sinic Holdings, por sua vez, adiantou que deixaria de pagar títulos totalizando US$ 250 milhões. O vencimento era em 18 de outubro, e desde então a empresa não se manifestou novamente sobre a questão. A inadiplência levou a agência de classificação Fitch a rebaixar a nota da Sinic para “C”, apenas um degrau acima das empresas que não pagam, mas ainda não iniciaram um processo formal de falência ou liquidação.

Brasil na linha de fogo

Michael Pettis, professor de Finanças na Universidade de Beijing, diz que o endividamento na China não se restringe ao setor imobiliário. Segundo ele, “incorporadores imobiliários chineses, empresas estatais, governos locais e até mesmo famílias comuns” têm todos “níveis de dívida excessivamente altos”.

No caso específico do setor imobiliário, Pettis diz que o endividamento tornou-se uma bola de neve. “Por não conseguirem mais empréstimos e, em muitos casos, serem forçados a pagar dívidas, [os incorporadores] tiveram de liquidar ativos, muitas vezes em condições de liquidação imediata, e às vezes foram forçados a reduzir suas operações. As perdas resultantes muitas vezes apenas pioraram os índices de dívida relatados”.

Entretanto, especialistas apontam que são pequenas as chances de a crise do mercado imobiliário chinês levarem a uma crise econômica global. Isso porque a China tem uma economia fechada, reduzindo o risco de contágio do mercado externo. Ainda assim, o problema tende a reverberar além das fronteiras chinesas. O Brasil, em particular, tem motivos para se preocupar porque é um dos grandes fornecedores do minério de ferro usado pelas construtoras e incorporadoras chinesas.

Por que isso importa?

Além da inadimplência imobiliária, a China sofre também com uma crise energética, decorrente do aumento do preço das fontes de energia globais, da escassez de carvão no país e das consequentes interrupções da produção em diversas fabricas. “A restrição de produção e a escassez de energia provavelmente continuarão pesando no crescimento do quarto trimestre”, disse recentemente uma projeção feita pelos economistas do banco suíço UBS.

Um junção de fatores colocou a China nessa situação. Primeiro, a pressão do governo para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, com vistas à meta de atingir a neutralidade de emissões até 2060. Num país que tem quase 60% da economia dependente do carvão, a solução foi impor racionamento de energia em residências e na indústria, a fim de manter sob controle as emissões provenientes da queima de carvão.

Paralelamente, as chuvas torrenciais que atingiram o país recentemente causaram inundações na província de Xanxim, de onde sai cerca de 30% de todo o carvão consumido no país. Como resultado, o preço do produto disparou, e o governo agora se vê numa encruzilhada, forçado a suspender os limites de produção de carvão existentes por razões ambientais.

Na indústria, as grandes vítimas do racionamento são os setores que demandam mais energia elétrica, como a produção de cimento e as fundições de alumínio e aço, segundo a rede britânica BBC. Num caso extremo, uma fábrica têxtil da província de Jiangsu cortou totalmente a energia num período entre setembro e outubro. Com isso, cerca de 500 trabalhadores tiveram que deixar seus postos e receberam um mês de folga remunerada.

Diferente da crise imobiliária, a energética pode, sim, gerar reflexos relevantes para a economia mundial. Isso porque a cadeia de produção global se habituou com os baixos preços dos produtos oferecidos pela China. Se a escassez de energia levar a uma queda brusca de produção na indústria chinesa, o fornecimento diminuiria e teríamos uma tendência de aumento de preços, com impacto inflacionário relevante no mundo todo.

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