Beijing exige acesso aos algoritmos de grandes sites para ampliar repressão online

Com tais dados, governo pode traçar perfis dos cidadãos e determinar aqueles que têm tendências oposicionistas

O governo da China determinou que dezenas de empresas de tecnologia enviassem seus algoritmos ao órgão regulador de internet do país, numa medida que tende a gerar um controle ainda mais estrito do conteúdo online. As informações são da rede Radio Free Asia.

Um dos objetivos do governo é controlar algoritmos que processam dados dos usuários no intuito de aumentar o consumo, o que Beijing considera “perturbação da ordem pública”.

No entanto, o alvo também são os algoritmos de pesquisa de notícias e os que calculam os riscos de segurança do conteúdo publicado, algo que limita o controle online imposto pelo Partido Comunista Chinês (PCC).

A relação de empresas que se submeteram às ordens do regime tem 30 nomes, entre eles os de gigantes como Weibo, Baidu, Alibaba e Tencent. Trata-se de uma medida inédita, vez que companhias desse porte tendem a rejeitar tais pedidos, sob a alegação de que os algoritmos são parte de seu segredo comercial.

Conteúdo online sofre forte censura por parte do regime chinês (Foto: WikiCommons)

Os algoritmos servem para analisar o tipo de informação que o internauta consome e então traçar um perfil dele. Assim, permitem ao site fornecer conteúdo compatível com seus anseios ou ideias. “É uma maneira de calcular seu comportamento, com base em seus dados pessoais”, explica Ye Yaoyuan, chefe do departamento de ciência política da Universidade St. Thomas, do Canadá.

Com tais dados em mãos, o governo teria condições de construir perfis detalhados dos cidadãos e determinar quais são de interesse. “Eles poderão descobrir através dos algoritmos exatamente quem não gosta tanto do governo chinês“, disse o analista. “Eles poderão rastrear essas pessoas ao longo do tempo usando os algoritmos”.

Além de descobrir eventuais opositores, o governo poderia usar os algoritmos para a propaganda estatal, segundo Ye. “Eles também podem enviar mensagens diferentes para pessoas que estão em uma situação de crise específica, ou pessoas que ainda são relativamente patriotas, para fortalecer seu apoio ao PCC”, afirmou.

De acordo com Zhai Wei, da Universidade de Ciência Política e Direito da China Oriental, em Xangai, as informações que o órgão regulador de internet diz ter acessado podem ser apenas a ponta do iceberg. Ele afirma que as empresas podem ser obrigadas a ceder mais dados no futuro, como parte das ações do governo para supervisionar o uso de dados pessoais pelas corporações.

Por que isso importa?

No “ranking da liberdade” da ONG Freedom House, com sede em Washington, a China está entre os últimos colocados, com base em 25 medidas de direitos políticos e liberdades civis. O país soma nove pontos de cem possíveis, acima apenas de outras 13 nações que têm pontuação ainda mais baixa.

Na China, o simples fato de citar a democracia leva à repressão do Estado. Algo que ficou claro nos protestos de 2019 em Hong Kong, que até hoje rendem prisões e denúncias contra seus organizadores e participantes. Segundo a ONG Hong Kong Watch, baseada no Reino Unido, até o dia 31 de janeiro deste ano, 10.294 pessoas foram presas por motivação política no território autogovernado, sendo que cerca de 2,3 mil foram posteriormente processadas pelo Estado.

A internet também deixa claro que os valores democráticos não têm vez na China, que bloqueia as redes sociais dos EUA e utiliza suas próprias versões, estas submetidas à censura do PCC. É o caso do Weibo. Lá, uma postagem do jornal estatal People’s Daily sobre o ataque do Ministério das Relações Exteriores à democracia norte-americana recebeu inicialmente cerca de 2,7 mil comentários. Depois de a censura começar a agir, restaram pouco mais de uma dúzia.

E a repressão imposta pela China a seus cidadãos já ultrapassa as próprias fronteiras. Artigo publicado pela revista Foreign Policy em outubro do ano passado mostra como o PCC, fazendo uso da lei de segurança nacional de Hong Kong, tem poder para calar críticos que vivem a milhares de quilômetros de distância.

Aconteceu, por exemplo, com o empresário britânico Bill Browder, alertado pelo Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido para não viajar a países que honrem os tratados de extradição com Hong Kong. Ativista em defesa de sanções contra funcionários do governo britânico cúmplices de abusos dos direitos humanos, ele poderia ser preso e extraditado para o território controlado pela China por seu discurso crítico aos abusos cometidos pelo PCC.

Isso porque a lei de segurança nacional prevê a acusação de qualquer pessoa, em qualquer lugar, por discurso considerado hostil aos interesses de segurança chineses. “Os ditames da China afetam os esportes, Hollywood, o mundo editorial, os meios de comunicação e o jornalismo, o ensino superior, as empresas de tecnologia e mídia social e muito mais”, diz o artigo.

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