Hong Kong debate lei que tende a impor censura online compatível com a da China

Segundo especialista, novo texto legal levaria para o ciberespaço a repressora lei de segurança nacional imposta por Beijing

Uma nova lei que vem sendo debatida em Hong Kong, com o objetivo de aumentar a segurança digital, tende a lançar as bases para a imposição de uma censura online compatível com a da China continental, onde o governo controla praticamente todo o conteúdo publicado na internet. As informações são da rede Radio Free Asia.

A Comissão de Reforma de Lei local colocou em debate o texto, que institui novos crimes, como hacking e interferência legal em sistemas digitais. Também está prevista punição àqueles que detenham dados considerados “criminosos”, algo que, em teoria, pode ser qualquer informação que incomode o governo.

Assim como a lei de segurança nacional, imposta por Beijing em 2020 após os protestos pró-democracia do ano anterior, o novo texto legal não teria efeito apenas dentro do território de Hong Kong. Ele puniria crimes cometidos em qualquer lugar do mundo, uma forma de driblar brechas de jurisdição em casos de dados armazenados na nuvem.

Atualmente, mesmo cidadãos estrangeiros são ameaçados caso cometam algum crime previsto na lei de segurança nacional. Nesse caso, podem ser presos caso ingressem em território controlado pela China ou mesmo em países que honrem os tratados de extradição com Hong Kong.

Segundo Wong Ho-wa, cientista de dados e ativista pró-democracia honconguês, o debate em torno da lei é “assustador”, vez que o alcance dela tende a ser ilimitado. “O público deve ter medo de como isso será implementado, com definições tão amplas. Mesmo pessoas que fornecem equipamentos podem ser alvo, digamos, por vender roteadores ou servidores para outras pessoas”, afirmou.

Ele cita como exemplo o uso de VPN’s, uma forma de driblar a censura digital, que seria passível de punição por “interferir ilegalmente nos dados do computador”.

Hong Kong: censura digital made in China (Foto: Unsplash/Divulgação)

De acordo com o advogado Sang Pu, na prática, a nova normativa legal ampliaria para o ciberespaço o alcance da lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. Ela classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

“Eles estão ampliando seus controles usando computadores e crimes cibernéticos como pretexto”, disse Sang. “Estou muito preocupado que isso leve a bloqueios e censura na Internet, e toda a censura de IA e censura de termos de pesquisa de palavras-chave que vemos na China [continente] sendo implementada em Hong Kong”.

Por que isso importa?

No “ranking da liberdade” da ONG Freedom House, com sede em Washington, a China está entre os últimos colocados, com base em 25 medidas de direitos políticos e liberdades civis. O país soma nove pontos de cem possíveis, acima apenas de outras 13 nações que têm pontuação ainda mais baixa. E Hong Kong, embora opere em um sistema diferente, se aproxima cada vez mais do padrão chinês.

Na China, o simples fato de citar a democracia leva à repressão do Estado. Algo que ficou claro justamente nos protestos de 2019 em Hong Kong, que até hoje rendem prisões e denúncias contra seus organizadores e participantes. Segundo a ONG Hong Kong Watch, baseada no Reino Unido, até o dia 31 de janeiro deste ano, 10.294 pessoas foram presas por motivação política no território autogovernado, sendo que cerca de 2,3 mil foram posteriormente processadas pelo Estado.

A internet também deixa claro que os valores democráticos não têm vez na China, que bloqueia as redes sociais dos EUA e utiliza suas próprias versões, estas submetidas à censura do Partido Comunista Chinês (PCC). É o caso do Weibo. Lá, uma postagem do jornal estatal People’s Daily sobre o ataque do Ministério das Relações Exteriores à democracia norte-americana recebeu inicialmente cerca de 2,7 mil comentários. Depois de a censura começar a agir, restaram pouco mais de uma dúzia.

E a repressão imposta pela China a seus cidadãos já ultrapassa as próprias fronteiras. Artigo publicado pela revista Foreign Policy em outubro do ano passado mostra como o PCC, fazendo uso da lei de segurança nacional de Hong Kong, tem poder para calar críticos que vivem a milhares de quilômetros de distância.

Aconteceu, por exemplo, com o empresário britânico Bill Browder, alertado pelo Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido a não viajar para países que honrem os tratados de extradição com Hong Kong. Ativista em defesa de sanções contra funcionários do governo britânico cúmplices de abusos dos direitos humanos, ele poderia ser preso e extraditado para o território controlado pela China por seu discurso crítico contra os abusos cometidos pelo PCC.

Isso porque a lei de segurança nacional prevê a acusação de qualquer pessoa, em qualquer lugar, por discurso considerado hostil aos interesses de segurança chineses. “Os ditames da China afetam os esportes, Hollywood, o mundo editorial, os meios de comunicação e o jornalismo, o ensino superior, as empresas de tecnologia e mídia social e muito mais”, diz o artigo.

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