Lista vazada na China revela os apelidos do presidente Xi Jinping censurados na internet

Documento de 143 páginas mostra como um aplicativo chinês monitora o noticiário e coordena ações de censura preventiva

Entre as tantas questões censuradas na China, a “zoeira” é uma que o regime do presidente Xi Jinping nem sempre consegue controlar. Em 2018, ele chegou a proibir o uso da imagem do Ursinho Pooh, já que o personagem da Disney vinha sendo comparado fisicamente a ele. Não adiantou. Tanto que o urso fictício amado por gerações de crianças virou símbolo de movimentos pró-democracia mundo afora, inclusive no Brasil.

De lá para cá, o líder ainda ganhou inúmeros outros apelidos ingratos, como “Adolf Xitler” e “CoronaXi”, os quais o governo agora tenta banir da internet, segundo revelou uma lista de censura vazada no Telegram. As informações são da revista Vice.

De acordo com o documento, de 143 páginas, ao fazerem uma operação pente-fino na internet em busca de memes, vídeos satíricos e comentários desfavoráveis sobre Xi, moderadores do Xiaohongshu, um popular aplicativo de influencers, estilo de vida e compras, descrito como “o Instagram da China”, encontraram vasto material. Lá, foram identificados 564 apelidos e “termos sensíveis” relacionados ao presidente em um período de dois meses em 2020. O conteúdo foi então censurado.

Xi Jinping como Urso Pooh em um cartaz de protesto em Londres. Os guarda-chuvas representam os objetos usados contra o gás lacrimogêneo em Hong Kong em 2019 (Foto: Carsten ten Brink/Flickr)

O relatório revelou que a plataforma não está apenas de olho no conteúdo compartilhado dentro de seus domínios, como também monitora ativamente as notícias e desenvolve estratégias para impedir que tópicos com grande potencial de “virar meme” possam ser disseminados nela. 

Resumidamente, o documento elaborado pelos censores mostra o modus operandi das mídias sociais chinesas para estar sempre um passo à frente e controlar a opinião pública. O método consiste em identificar palavras-chave a serem banidas, acionando o aparato de censura para rastrear conteúdo relacionado.

“Eu nunca tinha ouvido falar de uma coisa dessas quando estava trabalhando no Weibo [serviço de microblogging chinês semelhante ao Twitter] em 2011. Nós apenas recebíamos pedidos e excluíamos as coisas de acordo, em vez de fazer previsões baseadas em tópicos sensíveis”, disse à reportagem da Vice o homem que obteve a lista, Eric Liu, ex-moderador de conteúdo e hoje analista do site de notícias China Digital Times, sediado nos EUA. 

A exemplo do Instagram, nem tudo no Xiaohongshu é sobre viagens, gastronomia e moda. A vida real também está presente, por isso os moderadores precisam estar atentos ao noticiário.

Entre as pautas do cotidiano estão desastres naturais, questões de saúde e segurança pública, protestos e greves e, claro, eventos políticos que merecem atenção de toda a nação. Segundo o documento, os censores trabalhavam em média com 30 eventos diários dessa natureza e recebiam instruções específicas sobre como lidar com determinados assuntos.

Um exemplo ocorreu nos protestos nos shoppings-centers de Hong Kong em 2019, durante a gigantesca onda de manifestações pró-democracia daquele ano. Na ocasião, moderadores receberam instruções para que as imagens nas ruas não mostrassem grafites e slogans antigoverno. 

Por que isso importa?

No “ranking da liberdade” da ONG Freedom House, com sede em Washington, a China está entre os últimos colocados, com base em 25 medidas de direitos políticos e liberdades civis. O país soma nove pontos de cem possíveis, acima apenas de outras 13 nações que têm pontuação ainda mais baixa.

Na China, o simples fato de citar a democracia leva à repressão do Estado. Algo que ficou claro nos protestos de 2019 em Hong Kong, que até hoje rendem prisões e denúncias contra seus organizadores e participantes. Segundo a ONG Hong Kong Watch, baseada no Reino Unido, até o dia 31 de janeiro deste ano, 10.294 pessoas foram presas por motivação política em Hong Kong, sendo que cerca de 2,3 mil foram posteriormente processadas pelo Estado.

A internet também deixa claro que os valores democráticos não têm vez na China, que bloqueia as redes sociais dos EUA e utiliza suas próprias versões, estas submetidas à censura do Partido Comunista Chinês (PCC). É o caso do Weibo. Lá, uma postagem do jornal estatal People’s Daily sobre o ataque do Ministério das Relações Exteriores à democracia norte-americana recebeu inicialmente cerca de 2,7 mil comentários. Depois de a censura começar a agir, restaram pouco mais de uma dúzia.

E a repressão imposta pela China a seus cidadãos já ultrapassa as próprias fronteiras. Artigo publicado pela revista Foreign Policy em outubro do ano passado mostra como o PCC, fazendo uso da lei de segurança nacional de Hong Kong, tem poder para calar críticos que vivem a milhares de quilômetros de distância.

Aconteceu, por exemplo, com o empresário britânico Bill Browder, alertado pelo Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido a não viajar para países que honrem os tratados de extradição com Hong Kong. Ativista em defesa de sanções contra funcionários do governo britânico cúmplices de abusos dos direitos humanos, ele poderia ser preso e extraditado para o território controlado pela China por seu discurso crítico contra os abusos cometidos pelo PCC.

Isso porque a lei de segurança nacional prevê a acusação de qualquer pessoa, em qualquer lugar, por discurso considerado hostil aos interesses de segurança chineses. “Os ditames da China afetam os esportes, Hollywood, o mundo editorial, os meios de comunicação e o jornalismo, o ensino superior, as empresas de tecnologia e mídia social e muito mais”, diz o artigo.

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