Beijing ordena mudanças na fachada de mesquita para adequá-la aos padrões chineses

Objetivo é excluir da construção os vestígios da língua árabe e as influências mais evidentes da cultura do Oriente Médio

Por ordem do governo da China, teve início um processo de “renovação” da Mesquita de Doudian, no distrito de Fangshan, nos arredores de Beijing. Trata-se de mais uma medida do Partido Comunista Chinês (PCC) em sua campanha de “sinicização da fé“. As informações são da rede Radio Free Asia.

A determinação é para que sejam excluídas da construção os vestígios da língua árabe e as influências mais evidentes da cultura do Oriente Médio. As mudanças começaram a ser implementadas em agosto e devem ser concluídas até maio do ano que vem.

A Mesquita de Doudian tem quase 15 mil metros quadrados de área e acomoda até 1,5 mil fiéis. É a maior mesquita do norte da China e foi erguida graças a doações de muçulmanos de Beijing, segundo o site da comunidade islâmica local.

A construção foi finalizada em 2013, e o projeto havia sido aprovado por Wang Zhengwei, então diretor da Comissão Nacional de Assuntos Étnicos da China. Entretanto, a repressão religiosa se intensificou desde então.

Detalhe da cúpula da Mesquita de Doudian, nos arredores de Beijing (Foto: Wikimedia Commons)

“Wang Zhengwei era visto como um defensor tradicional da autonomia para as regiões de minorias étnicas, o que está completamente em desacordo com a atitude de Xi Jinping em relação à questão e à religião”, afirmou Shih Chien-yu, especialista em segurança nacional e pesquisador da Sociedade de Estudos da Ásia Central de Taiwan.

Assim, desde 2018, as mesquitas do país têm sido obrigadas a retirar de suas fachadas sobretudo duas das principais peças arquitetônicas que caracterizam os templos muçulmanos: as cúpulas e os minaretes, estes últimos as torres de onde são anunciados os cinco horários diários de oração.

As autoridades chinesas alegam que as cúpulas evidenciam a influência religiosa estrangeira e, dessa forma, vão contra os ideais nacionalistas do PCC. Assim, a arquitetura abertamente islâmica tem sido derrubada, a fim de remover a identidade visual e dar aos edifícios uma arquitetura tipicamente chinesa, processo que ocorre sobretudo no noroeste do país.

“As autoridades acreditam que, desta forma, todas as diferentes crenças religiosas na China podem ser colocadas sob o controle do governo chinês”, disse Shih. “Sob a orientação [do PCC], quaisquer ideias ou interpretações externas são ilegais. Estão usando isso como uma forma simbólica de estabelecer a ideia de que você deve seguir o partido”.

Por que isso importa?

Nos últimos meses, Beijing tem intensificado o controle sobre a religião, como parte de um processo de “sinicização” da fé. No início de dezembro de 2021, no Encontro Nacional Sobre Assuntos Religiosos do PCC, o presidente chinês Xi Jinping havia deixado clara a intenção de colocar a religião sob o guarda-chuva da sigla.

“Devemos manter o trabalho religiosos na direção essencial do partido. Devemos continuar a direcionar nosso país para a sinicização da religião. Devemos continuar a pegar o grande número de crentes religiosos e uni-los em torno do partido e do governo”, disse o líder nacional no evento.

O principal expoente do desafio que os fieis enfrentam na China é a etnia muçulmana dos uigures, que habitam a região autônoma de Xinjiang, no noroeste do país, fazendo fronteira com nações da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.

Em agosto de 2022, a ONU (Organização das Nações Unidas) divulgou um aguardado relatório que fala em “graves violações dos direitos humanos” cometidas em Xinjiang. O documento destaca “padrões de tortura ou maus-tratos, incluindo tratamento médico forçado e condições adversas de detenção”, bem como “alegações de incidentes individuais de violência sexual e de gênero”.

O governo chinês refuta as acusações e classifica como “campos de reeducação” as áreas onde vivem milhões de uigures. O argumento para isolar e vigiar a etnia muçulmana é o da “segurança nacional”, sob a justificativa de evitar a radicalização dos fiéis. Entretanto, para os governos de determinados países ocidentais, como Reino Unido, Estados Unidos e Canadá, a ação da China configura “genocídio”.

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