O governo da China tem obrigado as mesquitas do país a retirarem de suas fachadas duas das principais peças arquitetônicas que caracterizam os templos muçulmanos: as cúpulas e os minaretes, estes últimos as torres de onde são anunciados os cinco horários diários de oração. Trata-se de mais um capítulo da repressão religiosa de Beijing, cujo foco tem sido sobretudo o Islamismo. As informações são da rede NPR.
As autoridades chinesas alegam que as cúpulas evidenciam a influência religiosa estrangeira e, dessa forma, vão contra os ideais nacionalistas do Partido Comunista Chinês (PCC). Assim, a arquitetura abertamente islâmica tem sido derrubada, a fim de remover a identidade visual e dar aos edifícios uma arquitetura tipicamente chinesa, num processo que teve início em 2018 e ocorre sobretudo no noroeste do país.
Um dos alvos da intolerância arquitetônico-religiosa foi a Grande Mesquita de Dongguan, na cidade de Xining. A cúpula e os dois minaretes já foram removidos, e vídeos têm circulado na internet mostrando a obra em processo final.
From this video, posted yesterday, it appears as if the dome and minarets of Xining’s Dongguan mosque have been almost completely removed #Islam pic.twitter.com/2dqqEYdEoA
— Timothy Grose (@GroseTimothy) August 12, 2021
A medida teve pouca resistência popular, frente à repressão habitualmente imposta por Beijing a seus críticos. O imã e o diretor da mesquita chegaram a ser detidos e foram forçados a assinar um termo no qual manifestam concordância com as mudanças arquitetônicas.
Na região, o temor é que se repita o caso de Xinjiang, onde a minoria uigur é perseguida pelo governo. Denúncias de organismos internacionais dão conta de que Beijing usa tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa na região.
“É claro que tememos virar a próxima Xinjiang”, disse um homem da etnia hui que não quis se identificar. Ele conta que há três anos abandonou a propriedade da família em Xinjiang e transferiu sua residência para o condado de Tongxin. “Mas o que um indivíduo pode fazer?”, afirma, resignado.
Diversidade ameaçada
Historicamente, a China comporta 55 etnias diferentes, cada qual com certa autonomia cultural em suas regiões. Sob o governo Xi Jinping, porém, a abordagem tem sido outra, com foco na integração e na assimilação cultural, um processo que documentos governamentais classificam como “sinicização”, que significa basicamente “tornar chinês”.
Um exemplo prático desse processo de conversão é a etnia hui, majoritariamente muçulmana e que representa menos de 1% da população chinesa. Com o passar dos anos, os hui foram se ajustando cultural e linguisticamente e até englobaram certas tradições chinesas a seus rituais religiosos, como o uso de incenso nas cerimônias.
Dru Gladney, especialista em Islamismo na China pela Universidade de Pomona, afirma que o conceito do governo é distorcido. Segundo ele, a verdadeira intenção do PCC é aproximar todas as etnias da etnia han, que é a predominante no país. Ou seja, todo cidadão chinês deve aderir aos valores do partido, falar somente o chinês mandarim e rejeitar toda e qualquer influência estrangeira.
“Os comunistas hoje em dia tentam governar culturalmente a China”, afirma Ma Haiyun, professor associado de história da Universidade de Frostburg.
Por que isso importa?
Desde 2012, quando o presidente Xi Jinping assumiu o governo da China, a repressão religiosa no país se intensificou. As restrições tornaram-se ainda mais rígidas em 2018, quando entrou em vigor a atual regulamentação de assuntos religiosos no país. Somada à repressão imposta em outros setores, como os meios de comunicação e a internet, a prática religiosa tornou-se um desafio para os fieis em território chinês.
No episódio mais recente da repressão religiosa imposta pelo Partido Comunista Chinês (PCC), a Apple foi obrigada a apagar de sua loja dois aplicativos, um voltado à Bíblia cristã, outro dedicado ao Corão, o livro sagrado do Islã. De acordo com a rede britânica BBC, ambos foram vetados por Beijing por conterem textos religiosos considerados proibidos.
Mas o principal expoente do desafio que os fieis enfrentam na China é a etnia muçulmana dos uigures, que habitam a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China, fazendo fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.
O governo chinês refuta as acusações de abusos e classifica como “campos de reeducação” as áreas nas quais vivem milhões de uigures. O argumento de Beijing para isolar e vigiar a etnia muçulmana é o da “segurança nacional”, sob a justificativa de que pretende evitar a radicalização dos fiéis. Entretanto, para os governos de determinados países ocidentais, como Reino Unido, Estados Unidos e Canadá, a ação da China configura “genocídio”.