Conclave inédito submete Igreja católica de Hong Kong ao pensamento de Xi Jinping

Encontro de líderes religiosos foi a ação mais incisiva de Beijing para influenciar o catolicismo de Hong Kong e colocar a Igreja sob a tutela do governo chinês

Bispos e outros líderes religiosos da China realizaram um conclave virtual com clérigos católicos de Hong Kong, no dia 31 de outubro de 2021, no intuito de instrui-los sobre os conceitos de religião “com características chinesas”, uma expressão frequentemente usada para enquadrar ideias diversas no pensamento do presidente Xi Jinping. Trata-se de um encontro inédito, conforme revelaram à agência Reuters pessoas que participaram do conclave, que expõe o projeto de Beijing para submeter a Igreja ao Partido Comunista Chinês (PCC).

De acordo com líderes religiosos que participaram do encontro ou tiveram acesso a informações sobre ele, trata-se da ação mais incisiva até hoje de Beijing para influenciar o catolicismo de Hong Kong, que se reporta diretamente ao Vaticano e tem entre seus líderes grandes defensores da democracia e dos direitos humanos, dois valores refutados pela China autoritária de Xi.

Figuras da Igreja local costumam se encontrar individualmente, de maneira informal, o que torna o evento coletivo de outubro algo inédito. Na visão de políticos, diplomatas e líderes religiosos, o conclave é mais um sinal do aumento da influência do Escritório de Ligação do Governo Central, de Beijing, sobre Hong Kong. A sessão e foi liderada por três bispos, com a participação de 15 figuras religiosas da China continental e 15 clérigos de Hong Kong.

Xi Jinping, presidente da China, na celebração do centenário do Partido Comunista Chinês (Foto: divulgação/cpc.people.com.cn

O nome de Xi não foi citado no encontro, mas ficou clara a meta de aproximar a religião dos conceito de patriotismo estabelecido pelo presidente e inseri-la na cultura chinesa, alinhando a visão da Igreja aos objetivos do Partido Comunista Chinês (PCC). Um processo de “sinicização” do catolicismo.

“Este foi apenas o primeiro passo, e eu senti que eles (figuras religiosas da China) sabiam que não podiam entrar nisso de forma muito pesada ou dogmática”, disse um clérigo presente ao encontro. “Todos nós sabemos que a palavra sinicização carrega consigo uma agenda política, e eles não precisavam explicá-la”.

No início de dezembro, no Encontro Nacional sobre Assuntos Religiosos do PCC, Xi havia deixado clara a intenção de colocar a Igreja sob o guarda-chuva da sigla. “Devemos manter o trabalho religiosos na direção essencial do partido. Devemos continuar a direcionar nosso país para a sinicização da religião. Devemos continuar a pegar o grande número de crentes religiosos e uni-los em torno do partido e do governo”, disse o presidente na ocasião.

Semanas antes do conclave, o Vaticano havia indicado Stephen Chow como novo bispo de Hong Kong, uma decisão adiada anteriormente devido à influência do governo continental. O favorito de Beijing para o posto era o reverendo Peter Choy, mais próximo do governo e justamente o escolhido para liderar o encontro. Na visão dos que estiveram presentes em 31 de outubro, aquela parece ter sido apenas a primeira de muitas cúpulas religiosas que se seguirão.

Por que isso importa?

Desde 2012, quando Xi Jinping assumiu o governo, a repressão religiosa na China se intensificou. As restrições tornaram-se ainda mais rígidas em 2018, quando entrou em vigor a atual regulamentação de assuntos religiosos no país. Somada à repressão imposta em outros setores, como os meios de comunicação e a internet, a prática religiosa tornou-se um desafio para os fieis em território chinês.

No episódio mais recente da repressão religiosa imposta pelo PCC, a Apple foi obrigada a apagar de sua loja dois aplicativos, um voltado à Bíblia cristã, outro dedicado ao Corão, o livro sagrado do Islã. De acordo com a rede britânica BBC, ambos foram vetados por Beijing por conterem textos religiosos considerados proibidos.

Mas o principal expoente do desafio que os fieis enfrentam na China é a etnia muçulmana dos uigures, que habitam a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China, fazendo fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.

O governo chinês refuta as acusações de abusos e classifica como “campos de reeducação” as áreas nas quais vivem milhões de uigures. O argumento de Beijing para isolar e vigiar a etnia muçulmana é o da “segurança nacional”, sob a justificativa de que pretende evitar a radicalização dos fiéis. Entretanto, para os governos de determinados países ocidentais, como Reino Unido, Estados Unidos e Canadá, a ação da China configura “genocídio”.

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