China forneceu em 2023 centenas de milhões de dólares em equipamento útil ao Exército russo

Documentos provam que empresas chinesas entregam a Moscou itens não letais, mas que costumam ser cruciais para as forças armadas

A promessa do governo da China de não entregar equipamento militar à Rússia durante a guerra da Ucrânia vem sendo desrespeitada por empresas do país asiático. Dados alfandegários obtidos pelo site Politico mostram que companhias chinesas forneceram neste ano às forças armadas russas centenas de milhões de dólares em itens não letais, mas que têm finalidade crucial para as forças armadas.

Na lista de compras estão drones não armados, mas que podem ser usados ​​para direcionar o fogo de artilharia ou lançar granadas e miras ópticas térmicas para que a artilharia atinja o inimigo à noite. Em 2023, a Rússia importou da China US$ 100 milhões em equipamentos do gênero, 30 vezes mais do que a Ucrânia.

Outro item fornecido pelos chineses que tem função militar indireta é a cerâmica, crucial para fabricar coletes à prova de balas. A China é um fornecedor habitual do produto para a Rússia, mas neste ano as importações Rússia aumentaram 69% e superaram os US$ 225 milhões. Já a Ucrânia, outra que tradicionalmente compra os coletes chineses, viu as importações caírem 61% neste ano.

Os presidentes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin, em Moscou, março de 2023 (Foto: Kremlin)

No caso dos coletes, há indícios inclusive de que a China venda para os russos o produto finalizado. A Shanghai H Win, fabricante de equipamentos de proteção de nível militar, relatou em seus site, no mês de março, a venda de uma grande carga de coletes para um cliente não identificado. Inclusive mostrou imagens de um sujeito aparentemente caucasiano e com corte de cabelo militar analisando o produto.

“Nesta primavera, um de nossos clientes veio à nossa empresa para confirmar o estilo e a quantidade de coletes à prova de balas e testou cuidadosamente a qualidade de nossos coletes”, diz a Shanghai H Win em seu site. “Confirmou imediatamente a quantidade do pedido de coletes à prova de balas e a subsequente intenção de compra.”

Embora não esteja claro se o indivíduo mostrado nas imagens era de fato russo, Moscou relatou na mesma época um pedido de centenas de milhares de coletes à prova de balas e capacetes produzidos pela Shanghai H Win. E os produtos listados nos documentos alfandegários correspondem ao catálogo da companhia.

“O que está muito claro é que a China, apesar de todas as suas alegações de que é um ator neutro, está de fato apoiando as posições da Rússia nesta guerra”, disse Helena Legarda, analista líder especializada em defesa chinesa e política externa no Instituto Mercator de Estudos da China, um think tank de Berlim.

Em contato com a reportagem do Politico, um representante de vendas da Shanghai H Win disse que a empresa só poderia vender aos russos se recebesse um certificado do Exército de Libertação Popular (ELP) da China. O homem também negou que o indivíduo da foto fosse realmente um cliente, informação que constava no próprio site da companhia.

“Ele é o cliente do nosso cliente. Não podemos perguntar a ele diretamente: ‘De onde você é?’ Mas acho que talvez ele seja da Europa, talvez da Ucrânia, talvez da Polônia, talvez até da Rússia. Eu não tenho certeza”, disse o representante de venda.

No caso em tela, a China aposta na impunidade porque vende equipamento não letal, o que dificulta a aplicação de sanções do EUA ou da União Europeia (UE). “Depois, há essa situação em que estamos no momento, de todos esses componentes ou equipamentos de uso duplo e como você lida com eles”, disse Legarda. “Eu não esperaria que a UE fosse capaz de concordar com sanções sobre isso.”

Suspeita antiga

São antigos os indícios de que empresas chinesas ajudaram a equipar as forças armadas russas, embora não seja possível responsabilizar diretamente o governo.

No começo de fevereiro, reportagem do Wall Street Journal (WSJ) revelou que foram enviados, a partir de Beijing, itens proibidos destinados a empresas de defesa do Kremlin embargadas pelos EUA. Na lista estariam equipamentos de navegação, tecnologia de interferência e peças de caças.

O próprio Politico havia revelado em março que documentos comerciais e alfandegários apontam que entidades russas receberam rifles de assalto, coletes à prova de bala e peças de drones de empresas chinesas no ano passado, já com a guerra em andamento.

Os documentos em questão, cedidos pelo ImportGenius, um agregador de dados alfandegários, mostram que o armamento de uso militar foi entregue como sendo “rifles de caça” usados por civis. Eles partiram da China North Industries Group Corporation Limited, uma empresa de defesa terceirizada que serve ao governo chinês, e foram recebidos pela russa Tekhkrim em junho de 2022.

As armas listadas nos documentos são rifles de assalta CQ-A, cujo projeto é baseado no norte-americano M16. Tais armamentos são usados por forças de segurança paramilitares chinesas e pelas forças armadas do Sudão do Sul e das Filipinas.

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