China entregou rifles de assalto e coletes à prova de balas à Rússia em 2022, aponta investigação

Documentos classificam as armas como sendo de uso civil, e analistas admitem que a falta de provas tende a dificultar a aplicação de sanções a Beijing

Empresas chinesas entregaram armas de uso militar à Rússia durante a guerra da Ucrânia. É o que apontam documentos comerciais e alfandegários obtidos pelo site Politico, segundo os quais entidades russas receberam rifles de assalto, coletes à prova de bala e peças de drones de empresas chinesas no ano passado.

Até então, não se tinha notícia de qualquer remessa de equipamento de uso letal a partir da China para a Rússia desde que o conflito começou. No início do mês, reportagem do Wall Street Journal (WSJ) revelou que a China havia fornecido apenas apoio não letal às tropas de Vladimir Putin, como equipamentos de navegação, tecnologia de interferência e peças de caças.

Os documentos obtidos pelo Politico, cedidos pelo ImportGenius, um agregador de dados alfandegários, mostram que o armamento de uso militar foi entregue como sendo “rifles de caça” usados por civis. Eles partiram da China North Industries Group Corporation Limited, empresa de Defesa terceirizada a serviço do governo chinês, e foram recebidos pela russa Tekhkrim em junho de 2022.

Militar chinês usa metralhadora pesada em treinamento: armas rumo a Moscou (Foto: eng.chinamil.com.cn)

As armas listadas nos documentos são rifles de assalta CQ-A,cujo projeto é baseado no norte-americano M16. Tais armamentos são usados por forças de segurança paramilitares chinesas e pelas forças armadas do Sudão do Sul e das Filipinas.

Outras entregas feitas por empresas chinesas a entidades russas incluem 12 remessas de peças de drones e mais de 12 toneladas de coletes à prova de balas enviados através da Turquia no final de 2022.

Como nos casos anteriores, os documentos não deixam claro que Beijing tem fornecido armamento em grande escala a ser utilizado pelas forças armadas da Rússia na guerra. Mas os itens são considerados de uso duplo, com funções inclusive militares.

As entregas invariavelmente ocorrem através de intermediários. No caso das peças de drones, a rota passou pelos Emirados Árabes Unidos e partiu da chinesa Da-Jiang Innovations Science & Technology Co., sancionada pelo Tesouro norte-americana desde 2021 pelo fornecimento de drones usados por Beijing no monitoramento dos uigures.

Sanções à vista

A revelação surge no momento em que os EUA e seus aliados ocidentais ameaçam punir a China caso fique comprovado o fornecimento de equipamento letal para as tropas russas na guerra. De acordo com a agência Reuters, Washington já prepara terreno para aplicar sanções a empresas chinesas.

Jens Stoltenberg, secretário-geral da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), disse no final de fevereiro que há “sinais de que eles (os chineses) estão considerando e podem estar planejando isso (fornecer armas a Moscou)”.

O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, chegou a alertar Wang Yi, principal diplomata chinês, sobre as “sérias consequências” do apoio militar direto à Rússia. Eles se encontraram durante conferência de segurança em Munique e tiveram, à margem do evento, uma conversa que não estava na agenda oficial de ambos.

Para especialistas ouvidos pelo Politico, porém, a venda de rifles de assalto ainda não deve bastar para punir Beijing. Embora sejam armas com função letal, elas seguem classificadas como itens de uso duplo, e punições só seriam possíveis se houver provas de que estão nas mãos das tropas russas.

“O desafio com itens de uso duplo é que o sistema de controle de exportação que temos deve considerar tanto as possibilidades de vendas comerciais quanto o uso militar de certos itens”, disse Zach Cooper, ex-assistente do vice-conselheiro de segurança nacional para combate ao terrorismo no Conselho de Segurança Nacional dos EUA.

Dentro do governo norte-americano, uma lista circulou recentemente com itens que Beijing planeja entregar a Moscou. Entre eles estão drones, munição e armas de pequeno porte. “Nós vemos [a China] prestando assistência à Rússia no contexto do conflito”, disse Avril Haines, diretora de inteligência nacional dos Estados Unidos, em uma audiência no Congresso em 8 de março.

Embora ainda não tenham aplicado sanções, os aliados ocidentais seguem monitorando o movimento, e parece questão de tempo até que empresas chinesas sejam atingidas. “Tenho certeza de que veremos a UE (União Europeia) e outros países atingirem as pessoas que estão ajudando muito desse material a chegar à Rússia”, disse James Byrne, do Royal United Services Institute, um think tank britânico de Defesa.

Do lado chinês, o argumento é o mesmo, de que o país está “comprometido em promover negociações de paz”, segundo declarações da embaixada da China em Washington. “A China não criou a crise, não faz parte da crise e não forneceu armas para nenhum dos lados do conflito”, disse o porta-voz Liu Pengyu.

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