Em meio a uma invasão em grande escala da Rússia à Ucrânia, com consequentes sanções do Ocidente contra Moscou, um post acidental publicado na terça-feira (23) revelou que a censura da internet na China determinou às agências de notícias e administradores de contas em redes sociais que evitem críticas aos russos ou comentários favoráveis à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).
O Horizon News, uma conta de mídia social ligada à Beijing News, jornal de propriedade do Partido Comunista Chinês (PCC), publicou “instruções” sobre como deveria ser feita a cobertura das crescentes tensões na Europa em sua página no Weibo, uma espécie de Twitter chinês. A ordem era de que qualquer conteúdo desfavorável à Rússia ou pró-ocidente deveria ser censurado. A mensagem foi posteriormente apagada.
“Todas as cópias iniciais serão analisadas por nós [o departamento de propaganda do PCC] antes de serem postadas. Os comentários devem ser moderados seletivamente e apenas os comentários apropriados devem ser publicados”, dizia o pedido. “Qualquer pessoa que publique conteúdo será considerada responsável por isso, e um cuidado genuíno deve ser tomado. Cada postagem deve ser observada por pelo menos dois dias, e muito cuidado deve ser tomado”.
O ex-editor e fundador do Beijing News, Cheng Yizhong, confirmou a legitimidade do conteúdo do post.
“Esta é uma conta multimídia gerenciada pelo Beijing News. E não se aplica apenas a eles, mas também a outras mídias”, disse Cheng. “É o padrão em caso de grande conflito internacional, o de que apenas opiniões da [agência] Xinhua, [TV estatal] CCTV e [jornal] Diário do Povo podem ser publicadas”, explicou.
O dilema Taiwan
Segundo o jornal independente Taiwan News, um editor da agência de notícias Xinhua postou na terça (22) em sua conta no Weibo que Beijing deve prestar seu apoio moral e emocional à Rússia neste momento, fazendo menção a uma de suas questões territoriais mais sensíveis, onde há uma situação paralela. “A China também precisará da compreensão e apoio dos russos ao lutar com a América para resolver a questão de Taiwan de uma vez por todas”, disse.
Na visão do comentarista chinês de assuntos atuais Guo Chonglun, há um impasse na questão, já que a China normalmente não apoia abertamente as incursões russas na Ucrânia, nem sua ocupação da Crimeia, ocorrida em 2014. E um posicionamento favorável poderia trazer problemas quanto à disputada ilha na costa sudeste.
“A China está enfrentando um dilema sobre isso agora, porque Putin rasgou o acordo de Minsk e separou à força a região leste do país”, disse Guo à reportagem da RFA. “Ainda assim, a China ainda não reconheceu a Crimeia como parte da Rússia”, disse ele, acrescentando que Beijing está preocupada que, no futuro, os EUA possam fazer o mesmo com Taiwan.
Quem corrobora essa análise é o especialista em defesa de Taiwan Shen Ming Shih. Ele concordou que as ações do Kremlin têm uma estreita relação com a ilha semiautônoma. “Se a Rússia puder reconhecer unilateralmente a independência desses dois territórios, os EUA também poderão reconhecer Taiwan como uma nação independente e soberana em algum momento no futuro, caso o PCC queira invadir”, disse Shih.
Para o especialista, isso não é bom para o PCC, já que atualmente os EUA não reconhecem Taiwan como um território soberano, nem se opõem à sua independência.
Taiwan, aliás, não recebeu nada bem a aliança “sem limites” anunciada por China e Rússia. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores da ilha, o anúncio é “desprezível”.