Taiwan vê paralelo entre sua situação e a da Ucrânia e teme inércia dos Estados Unidos

Para os taiwaneses, o fato de Washington reagir ou não em caso de invasão russa daria uma medida do que faria contra a China

Taiwan está atenta à escalada de tensão entre Rússia e Ucrânia. Na visão do governo e dos cidadãos da ilha, a reação dos EUA a uma possível invasão russa ao território ucraniano daria uma boa medida do que Washington faria em caso de movimentação semelhante da China contra Taipé. As informações são da rede Voice of America (VOA).

Ken Wu é um ativista pró-Taiwan e vice-presidente da seção de Los Angeles da Associação de Relações Públicas de Formosa, que faz lobby no Congresso norte-americano por ações de Washington a favor da ilha. Segundo ele, os taiwaneses torcem para que os EUA reajam militarmente em caso de um ataque da Rússia à Ucrânia. Isso porque eles enxergam um paralelo entre sua situação e a de Kiev e se sentiriam “desanimados e desapontados” se um contra-ataque não acontecesse.

“Se os EUA fizessem alguma coisa na Ucrânia, acho que seria um ato de redenção. Mas ainda acho que, depois do Afeganistão, é muito difícil para os países ao redor do mundo serem totalmente dependentes dos EUA”, disse Oh Ei Sun, membro sênior do Instituto de Relações Internacionais de Cingapura, citando a retirada norte-americana do país do Oriente Médio que permitiu ao Taleban assumir o poder.

Taiwan vê paralelo entre sua situação e a da Ucrânia e teme a indiferença dos Estados Unidos
Exercício militar de Taiwan realizado em junho de 2020 (Foto: Wkimedia Commons)

No caso da Ucrânia, a tensão está instalada desde 2014, quando a Rússia anexou a região da Crimeia. Na sequência, o leste ucraniano viu a explosão de um novo conflito, que já matou mais de 14 mil pessoas e opõe o governo ucraniano às forças separatistas das autodeclaradas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, que formam a região de Donbass e contam com suporte de Moscou.

Taiwan, por sua vez, é uma questão territorial sensível para os chineses. Relações exteriores que tratem o território como nação autônoma estão, no entendimento de Beijing, em desacordo com o princípio defendido de “Uma Só China“, que também encara Hong Kong como parte do território chinês. Diante da aproximação do governo taiwanês com os Estados Unidos, desde 2020 a China tem endurecido a retórica contra as reivindicações de independência da ilha, e o risco de uma invasão existe.

Embora não tenha relações diplomáticas formais com Taiwan, assim como a maioria dos países do mundo, os EUA são o mais importante financiador internacional e principal fornecedor de armas da ilha, o que causa imenso desgosto a Beijing, que tem adotado uma postura belicista na tentativa de controlar a situação.

Jatos militares chineses passaram a realizar exercícios militares nas regiões limítrofes com Taiwan e habitualmente invadem o espaço aéreo taiwanês, deixando claro que a China não aceitará a independência do território “sem uma guerra“. Entretanto, conforme a tensão aumenta no Estreito de Taiwan, o próprio governo chinês sugere que não acredita em uma interferência militar norte-americana em caso de ataque à ilha.

Zhu Fenglian, porta-voz do Escritório de Assuntos da China para Taiwan, teria dito que há “uma ilusão de confiabilidade nos Estados Unidos em relação à situação no Estreito de Taiwan”, segundo a agência de notícias estatal chinesa Xinhua. Por isso, os esforços de independência da ilha estariam fadados ao fracasso.

O governo taiwanês, por sua vez, também vê semelhanças com a situação da Ucrânia. “Taiwan enfrentou a ameaça militar de longo prazo da China e reconhece profundamente que o aumento das tensões pode desencadear uma guerra”, disse o Ministério das Relações Exteriores de Taiwan, em comunicado de 27 de janeiro.

Por isso, o governo da ilha torce por uma solução pacífica na Europa. “Nosso governo pede a todos os lados que respeitem a independência soberana e a integridade territorial da Ucrânia e se oponham a mudanças unilaterais no status quo”, disse o Ministério.

Para Wang Wei-chieh, fundador da FBC2E, uma ONG de relações internacionais, a chance de reação norte-americana é reduzida. “Os taiwaneses devem entender que a atual administração e a sociedade dos EUA não estão dispostas a sacrificar suas tropas por países estrangeiros”, disse ele. “Se os EUA não defenderam a Ucrânia em um ataque da Rússia desta vez, acho que os taiwaneses, incluindo eu, deveriam reavaliar a determinação dos EUA de ajudar militarmente Taiwan quando se tratar da invasão da China”.

Taiwan vê paralelo entre sua situação e a da Ucrânia e teme a indiferença dos Estados Unidos
Treinamento de combate das forças taiwanesas (Foto: Maxpixel/Divulgação)

O que pode descolar uma situação da outra é a importância estratégica de Taiwan para Washington, consideravelmente maior que a da Ucrânia. “Se Taiwan cair, toda a Ásia cairá. Coréia, Japão e todos os lugares”, disse Shane Lee, professor aposentado de ciência política da Chang Jung Christian University, em Taiwan.

Washington vê Taiwan como um importante aliado na Ásia-Pacífico, capaz de ajudar a conter a expansão da China, segundo James Lee, pesquisador do Instituto de Conflito e Cooperação Global da Universidade da Califórnia, em San Diego. “Se Taiwan for tomada e sua democracia extinta, isso seria um desastre para a disseminação global dos valores democráticos”, disse ele.

Bloqueio total

Uma possibilidade é a de o embate entre China e Taiwan não terminar em confronto militar, e sim em um bloqueio total da ilha. É o que apontaram relatórios produzidos pelos EUA e por Taiwan em junho de 2021. O documento taiwanês pontua que Beijing não teria capacidade de lançar uma invasão em grande escala. Segundo o Pentágono, isso “provavelmente sobrecarregaria as forças armadas chinesas”.

Caso ocorresse, a escalada militar criaria um “risco político e militar significativo” para Beijing. Ainda assim, ambos os relatórios reconhecem que a China é capaz de bloquear Taiwan com cortes dos tráfegos aéreo e naval e das redes de informação. O bloqueio sufocaria a ilha, criando uma reação internacional semelhante àquela que seria causada por uma eventual ação militar.

Em artigo publicado em novembro, Michael Beckley e Hal Brands alertaram que o tempo está se esgotando para frear o ímpeto belicista chinês. “Os sinais de alerta históricos da China já estão piscando em vermelho. Na verdade, ter uma visão de longo prazo de por que e sob quais circunstâncias a China luta é a chave para entender o quão curto o tempo se tornou para os Estados Unidos e os outros países no caminho de Beijing”.

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