Na província de Yunnan, na China, representantes da junta militar de Mianmar e líderes do Exército de Aliança Democrática Nacional de Mianmar (MNDAA) participam de negociações críticas mediadas por Beijing. O objetivo das conversas, que começaram no domingo (15), é encontrar uma solução para a guerra civil que se arrasta no país desde o golpe militar de fevereiro de 2021. As informações são da rede Radio Free Asia.
Fontes próximas às partes envolvidas relataram que o diálogo acontece sob forte sigilo, com os participantes evitando declarações públicas. O encontro marca um passo significativo, já que tensões recentes agravaram o cenário político e econômico em Mianmar, especialmente após o MNDAA assumir o controle de Lashio, um ponto estratégico no estado de Shan, em agosto.

A posição de Beijing
A China, que mantém uma posição delicada no conflito, tem pressionado ambos os lados a cessar hostilidades, visando proteger seus interesses econômicos e estabilizar a região fronteiriça. Em novembro, o líder da junta militar, Min Aung Hlaing, se reuniu com o premiê chinês Li Qiang em Kunming, sinalizando um esforço renovado para buscar a mediação de Beijing.
Especialistas acreditam que a China vê a reabertura dos postos de comércio na fronteira como uma prioridade, especialmente após a interrupção das operações comerciais em cidades controladas pelo MNDAA. “Esses bloqueios têm impactado não apenas Mianmar, mas também os fluxos comerciais chineses, aumentando a urgência de um acordo”, aponta Phoe Wa, analista política regional.
Embora Beijing e a junta militar birmanesa mantenham boa relação, o conflito em Mianmar respinga na China. Em janeiro, um projétil de artilharia chegou a explodir acidentalmente em uma cidade chinesa, deixando cinco pessoas feridas.
Desafios das negociações
Apesar do cessar-fogo anunciado pelo MNDAA em 3 de dezembro, divergências fundamentais permanecem. A junta militar tem enfrentado dificuldades logísticas e perdas significativas em Lashio, onde soldados foram capturados pelos rebeldes durante os confrontos. Analistas sugerem que uma das demandas da junta será a libertação desses prisioneiros.
Enquanto isso, o MNDAA resiste a qualquer retirada de suas posições estratégicas, alegando que tais territórios são cruciais para a autonomia do grupo. Fontes indicam que o líder do MNDAA, Peng Daxun, está na China desde outubro, supostamente sob pressão para que o grupo ceda terreno.
O que está em jogo?
O resultado das negociações terá impacto direto não apenas sobre a estabilidade de Mianmar, mas também sobre a segurança regional e os interesses econômicos chineses. Um possível acordo envolvendo a flexibilização do comércio nas áreas fronteiriças pode aliviar tensões a curto prazo, mas especialistas alertam que as causas profundas do conflito – incluindo questões de autonomia étnica e disputas territoriais – permanecem sem solução.
Por que isso importa?
Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.
Na ocasião, a NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.
As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.
A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.
Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.
Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.
A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.